Tem uma empresa em crise? Estado já pode pagar advogado, defende o Constitucional
SÉRVULO NA IMPRENSA 01 Set 2018 in Advocatus
O país das startups tem cada vez mais empresas em crise: muitas já falidas, outras em insolvência. Todas elas impedidas de pedir apoio judiciário, mas só até maio passado, quando a recusa de proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos e em dificuldades foi considerada inconstitucional.
Feito um acórdão judicial e polémicas geradas à parte, o que dizem os advogados dos grandes escritórios? A Advocatus foi saber.
Só em 2018, e até agora, para 22.038 novas empresas constituídas em Portugal, 19.826 foram dissolvidas e 4.637 estão em processo de insolvência. Números que assustam empreendedores e alarmam a massa do tecido empresarial no que toca ao acesso à justiça em situações de crise. Isto porque, uma vez em tribunal, estas empresas não tinham direito a apoio judiciário. Ou seja, não lhes era permitido pedir a dispensa do pagamento de taxa de justiça ou pedir um advogado pago pelo Estado.
Mas recentemente, a 8 de maio, o cenário mudou quando o Tribunal Constitucional (TC) decretou que a lei que recusava proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos era, afinal, inconstitucional. Em causa estavam alterações à Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (LADT), na altura do governo de José Sócrates, que violavam a Constituição, na qual está estipulado que "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".
- O que muda?
Com o acórdão n.° 242/2018 fica então assente que as pessoas coletivas com fins lucrativos terão direito a advogado pago pelo Estado no acesso à justiça. Uma decisão que deixou de parte os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada. "É muito bem-vindo este acórdão", diz Alexandra Valpaços à Advocatus. "Com esta declaração de inconstitucionalidade, as pessoas coletivas com fins lucrativos deixaram de ficar totalmente impedidas de recorrer à justiça por razões económicas, permitindo-se, e bem, a avaliação casuística da necessidade de apoio judiciário", realça a advogada do departamento de contencioso e arbitragem da SÉRVULO.
De notar que na redação originária do número 3 do artigo 7.° da LADT as pessoas coletivas, com ou sem fins lucrativos, tinham efetivamente direito a apoio judiciário, se demonstrassem estar em situação de insuficiência económica. "Essa norma foi, contudo, substituída pela atual", explica a advogada, "que vedava, de forma cega e absoluta, o acesso de pessoas coletivas com fins lucrativos aos tribunais, quando não tivessem condições para suportar os custos de um processo, e que violava, frontalmente, o direito e a garantia fundamentais de acesso aos tribunais, que a Constituição atribui e assegura a todos".
Saliente-se ainda que as empresas, à semelhança das pessoas singulares, só têm agora direito à nomeação e pagamento da compensação de advogado pelo Estado, se demonstrarem estar em situação de insuficiência económica. "É, portanto, a falta de condições objetivas para suportar os custos de um processo que justifica a concessão de apoio judiciário. Ora, segundo a Constituição, a falta de condições económicas não pode ser motivo para denegação de justiça. Se retirássemos às empresas a possibilidade de acederem à justiça por razões económicas - como fazia a norma declarada inconstitucional-, estaríamos, na verdade, a esvaziar o seu direito de acederem aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, apenas por não terem meios para pagar as despesas inerentes a uma ação judicial.
Para evitar esse esvaziamento, a intervenção do Estado, precedida de uma análise do caso concreto, faz todo o sentido", continua Alexandra Valpaços. "As pessoas coletivas também têm o direito de fazer valer em juízo os seus direitos e interesses legítimos. Muitas são as situações em que uma empresa pode ter de recorrer aos tribunais para efetivar os seus direitos ou para deduzir a sua defesa (por exemplo, para cobrar créditos sobre clientes ou para se defender da aplicação de uma multa).
Quer uma sucessão de clientes maus pagadores, quer a necessidade de pagamento de uma multa avultada, podem colocar uma empresa numa situação económica que não lhe permita suportar os custos de um litígio em tribunal. Seria justo negar-lhe o acesso à justiça? Entendo que não seria", conclui a advogada. Quanto ao universo abrangido por esta lei, David Sequeira Dinis, sócio da Uria Menéndez-Proença de Carvalho, realça ainda que "no caso das pessoas coletivas, maioritariamente as sociedades comerciais -há que frisar que dentro do seu universo encontra-se uma amálgama heterogénea de entidades e de círculos de interesses.
Veja-se que tanto se inclui nesse universo uma empresa cotada no PSI20, como a sociedade por quotas unipessoal do café do bairro". Em relação a futuros casos de crise, o advogado diz que esta é uma evolução, mas que a vir sozinha não basta. "A declaração de inconstitucionalidade pare ce apenas abrir uma porta, sem definir o caminho. Isto é, da mesma forma que a diversidade do espetro de pessoas coletivas com fins lucrativos impõe que não se limite, à partida, o apoio do Estado no acesso à justiça, também se verifica que será necessária regulamentação adicional e específica para essas entidades".
Mas como? "Tal regulamentação poderá não ser feita através da extensão do regime de proteção jurídica aplicável às pessoas físicas, mas antes mediante a criação de mecanismo legal próprio", defende o sócio, "o qual poderá deferir competência a entidade diversa da Segurança Social para as decisões de atribuição de proteção a pessoas coletivas". Em qualquer caso, defende, este regime deverá evitar quaisquer práticas ilícitas fraudulentas ou de má gestão empresarial, "para que a tónica seja colocada na proteção das pessoas físicas, ainda que enquadradas nos círculos de interesses de pessoas coletivas com fins lucrativos", remata.
- Como é feita a escolha do advogado pago pelo Estado?
Relativamente ao novo acórdão, o processo de seleção de advogado pago pelo Estado para as pessoas coletivas com fins lucrativos ainda não foi analisado. Porém, se o procedimento de seleção for semelhante ao já existente para pessoas singulares, os advogados serão nomeados pela Ordem a partir de uma lista de profissionais inscritos no Sistema de Acesso ao Direito. A estes advogados nomeados para cada caso o Estado paga um valor por processo, mais as despesas com as deslocações e os atos praticados no processo, como por exemplo, recursos, e outras diligências.
Desde janeiro de 2012 que os honorários pelos serviços prestados pelos advogados só são válidos após a confirmação efetuada pela secretaria do tribunal ou serviço junto do qual correu o processo. Essa mesma confirmação está sujeita a um prazo, sendo que nos termos legais tem de ser feita quinzenalmente. Antes disso bastava ao próprio advogado inserir a defesa oficiosa no sistema informático do acesso ao direito e o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça procedia ao pagamento. Atualmente, este organismo do Ministério da Justiça tem de esperar pela confirmação.
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