Presidenciais. Milhares de pessoas não vão poder votar no domingo por estarem em isolamento profilático e não há nada de inconstitucional nisso
SÉRVULO NA IMPRENSA 22 Jan 2021 in Sapo24
Existem, pelo menos, 80.667 cidadãos infetados com Covid-19 em Portugal que estarão impedidos de votar no próximo domingo. A pandemia tornou-se mais um contributo para a abstenção, num país que nas últimas presidenciais registou uma taxa de 51,3%. As medidas decretadas pelo Governo para o voto antecipado em confinamento não foram suficientes. Haveria algo mais a fazer?
Mesmo com as regras excecionais para o voto antecipado para as eleições Presidenciais, só ficaram elegíveis para votar aqueles cujo confinamento obrigatório foi declarado pelas respetivas autoridades de saúde até dez dias antes da eleição, 14 de janeiro. É o estipulado no artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 3/2020, que regula o direito de voto antecipado para os eleitores que estejam em confinamento profilático, devido à pandemia da Covid-19, em atos eleitorais e referendários em 2021.
Alguns cidadãos apresentaram queixa ao Comissão Nacional de Eleições por serem privados do seu "direito constitucional de voto". Defendendo o alargamento do prazo de inscrição de voto domiciliário nas eleições presidenciais para os eleitores confinados até ao dia 24, alegam que “face aos números que vão sendo divulgados e com os atrasos no reporte de casos, estima-se que sejam mais de 100 mil os cidadãos e cidadãs impedidos de votar”, referem em comunicado. “Desta forma ninguém seria privado do seu direito constitucional, garantindo-se a votação em condições de segurança para todos os portugueses, confinados ou não”, concluem.
No entanto, como o SAPO24 apurou, a situação não pode ser considerada inconstitucional.
Pedro Fernández Sánchez, professor da Faculdade de Direito de Lisboa e sócio da SÉRVULO, concordou que o direito de participação política tem de ser sempre ponderado com outros direitos fundamentais, não menos relevantes do que este.
Porque é que o direito à saúde prevalece?
Alguns direitos fundamentais não podem ser suspensos de modo algum, mesmo em caso de estado de sítio ou estado de emergência. Entre os direitos considerados prioritários pela Constituição, nomeia Pedro Fernández Sánchez, estão, “obviamente, o direito à vida e à integridade física”, bem como “outros considerados prioritários, como são os direitos do foro criminal e os direitos de natureza religiosa”. Mas não existe a mesma proteção constitucional no caso de um direito de participação política.
Embora a Constituição contenha uma norma geral de participação democrática, esta precisa de ser concretizada por regras específicas que determinem como a respetiva participação deve ser feita. “Uma coisa é enunciar de forma genérica que os cidadãos têm um certo direito; outra é dizer como é que o direito vai ser exercido. Para isso precisamos de mecanismos específicos através da organização de atos eleitorais e essa organização tem de ser compatibilizada com outros direitos fundamentais”, detalha.
Assim, se “o exercício de um direito de natureza política coloca em risco outros direitos fundamentais, como é o caso do direito à saúde, ele não tem obrigatoriamente que prevalecer”. Neste sentido, compreende-se que as autoridades determinem que o exercício do direito de voto seja submetido a condições restritivas, mais exigentes, por forma a não colocar em perigo a saúde pública.
Porque não é inconstitucional?
“A Constituição também garante o direito ao ensino e garante a liberdade de aprender e ensinar. Se esse artigo fosse lido de forma isolada, chegaríamos à conclusão de que o Governo não podia ter determinado a suspensão presencial das aulas. Mas esse direito, mais uma vez, tem de ser compatibilizado com outros direitos relevantes como o direito à saúde e o próprio direito à vida”. Tendo em conta que se trata de um vírus que ameaça a vida, além de visar o direito à saúde, Pedro Fernández Sánchez defende que também está em causa “o direito à vida, que está no artigo 24.º, e ainda o direito à integridade física que está no artigo 25.º”.
Porque não adiar as eleições?
Alguns cidadãos equacionaram a possibilidade de adiar a data das eleições. Há, porém, um problema: a Constituição fixa um intervalo de datas muito limitado para a realização de eleições presidenciais. “Não conseguiríamos adiá-las pelo tempo necessário para eliminar o perigo para a saúde pública”, Assim, “ponderando o direito de participação num ato eleitoral e o direito à saúde pública, a solução que foi adotada foi a melhor possível para tentar compatibilizar os dois. No fundo, para permitir que o maior número possível de cidadãos exercesse os seus direitos”.
Leia a entrevista completa em Sapo24, aqui.