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O futebol e as implicações jurídicas do vírus

SÉRVULO NA IMPRENSA 21 Abr 2020 in Revista Sábado

Como em todas as indústrias, também no futebol a evolução da pandemia vem provocando marcas à sua passagem, não se sabendo ainda até quando, nem que concretas sequelas ficarão. Um pouco por todo o mundo, o universo desportivo reagiu aos riscos da propagação do novo coronavírus com a suspensão, o adiamento e o cancelamento generalizado de eventos, com poucas e pouco honrosas exceções. As competições profissionais de futebol encontram-se globalmente em ponto de stand-still, em Portugal desde o dia 12 de março, com a suspensão dos campeonatos das I e II Ligas e o subsequente cancelamento das competições amadoras e dos escalões de formação. Paralelamente, a regulamentação do estado de emergência veio impor restrições adicionais, como a interdição da realização de eventos, o encerramento de estádios e campos de futebol ou a proibição do exercício de atividade física coletiva.

Todo este quadro de necessário combate ao vírus vem provocando um grande impacto na atividade e, por conseguinte, na solvência dos clubes e sociedades desportivas, cujo modelo de negócio depende das receitas direta ou indiretamente decorrentes da participação nas competições desportivas (direitos de transmissão televisiva, bilhética, merchandising, patrocínios) e, noutro plano, da venda de ativos (jogadores) cuja valorização depende em exclusivo dessa participação.

Jogadores em final de contrato

A face mais visível de todas as consequências desta crise será porventura aquela que mais diretamente se liga com o jogo. Ultrapassada a questão de saber se o novel regime do lay-off simplificado – que contempla não apenas a modalidade de suspensão, mas também a de redução do período normal de trabalho – é ou não aplicável ao caso dos jogadores profissionais de futebol (dúvida recentemente afastada por interpretação autêntica do legislador), os problemas que surgirão daqui em diante estarão provavelmente relacionados com a difícil compatibilização entre a necessidade de prolongamento dos campeonatos e o teor dos concretos vínculos laborais dos jogadores, em especial daqueles cujos termos dos respetivos contratos hajam sido fixados a 30 de junho de 2020, e, dentro destes, aqueles que inclusivamente já tenham celebrado novos contratos de trabalho desportivo para vigorarem a partir de 1 de julho de 2020. Num esforço de mitigação desta problemática e visando, tanto quanto possível, uma harmonização de respostas ao nível das várias federações, a FIFA publicou recentemente um conjunto de diretrizes orientadoras no tratamento destes casos. No entanto, estando em causa matérias de âmbito laboral, essas orientações não assumem natureza vinculativa, como a própria FIFA reconhece, nem se podem sobrepor às leis laborais vigentes nas diferentes jurisdições.

Certamente por essa razão, por cá, Liga e Sindicato não perderam muito tempo e, naquele que terá sido o acordo possível, fizeram aprovar um conjunto de medidas destinadas a serem refletidas de imediato no Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre as duas entidades, as quais passam, grosso modo, pela prorrogação dos contratos de trabalho e de empréstimo/cedência até ao último jogo oficial da época 2019/2020. O problema é que não só tais alterações ao Contrato Coletivo ainda não se encontram publicadas em Boletim do Trabalho e do Emprego, como a sua legalidade poderá vir a ser questionada, designadamente no que respeita a saber se poderá um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho impor uma prorrogação contratual a um jogador se essa não for a sua vontade.

Por outro lado, na ausência de acordo entre todas as partes envolvidas, os casos de jogadores que já tenham acertado a sua transferência para um outro clube a partir de 1 de julho acarretarão certamente desafios acrescidos – em particular, sendo o novo clube um clube estrangeiro. Caso o jogador permaneça no seu clube de origem até ao final do campeonato presentemente em disputa, questões salariais ou relacionadas com a ocorrência de lesões durante esse período terão necessariamente de ser reguladas. Ainda num outro plano, o caso do jogador que se recuse a treinar com fundamento em receio de contaminação poderá igualmente verificar-se, sendo o tratamento dessa situação, designadamente em sede disciplinar, tudo menos linear.

Encontre o artigo de opinião na integra em Revista Sábado, aqui.

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