Simplex Urbanístico – Outros aspetos de simplificação procedimental: uniformização dos procedimentos urbanísticos e poderes dos Municípios
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 24 Jan 2024
No dia 8 de janeiro, foi publicado o Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria, ou, como é conhecido: o Simplex Urbanístico.
Este diploma introduz alterações relevantes em diversas matérias do direito do urbanismo e do ordenamento do território, mais concretamente, no que concerne ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (o RJUE), ao nível da simplificação e uniformização dos procedimentos urbanísticos adotados pelos municípios portugueses e ao nível da tendencial digitalização e modernização.
Apresentamos abaixo um sumário das principais alterações trazidas por este diploma tendentes à uniformização dos procedimentos urbanísticos, que surgem como consequência da mudança de paradigma das regras relativas aos poderes e competências dos municípios.
1. Uniformização de procedimentos urbanísticos e limitação dos poderes dos municípios
A) Criação da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos
Em primeiro lugar, o Simplex pretende promover a eficiência administrativa, através da tramitação obrigatória dos procedimentos na Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos, a partir de 5 de janeiro de 2026.
A Plataforma, que será posteriormente regulamentada por portaria a ser aprovada, irá facilitar o acesso à informação relativa aos procedimentos iniciados pelos interessados, devendo possibilitar inúmeras operações, entre outras:
(i) A apresentação e submissão de pedidos e documentos;
(ii) A obtenção dos comprovativos automáticos de submissão de requerimentos e comunicações e de ocorrência de deferimento tácito em procedimentos de licenciamento urbanístico, quando decorridos os respetivos prazos legais;
(iii) A identificação do número de dias que faltem para a emissão da decisão final;
(iv) Aconsulta pelos interessados do estado dos procedimentos;
(v) O pagamento de taxas;
(vi) A submissão de pedidos em formato Building Information Modelling (BIM).
Saliente-se que, a criação da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos não prejudica a utilização das plataformas eletrónicas pelos Municípios que já dispunham de uma plataforma própria, sendo certo que deverá ser possível assegurar a sua interoperabilidade com a Plataforma introduzida pelo Simplex Urbanístico.
B) Limitação dos poderes dos municípios
A uniformização dos procedimentos urbanísticos a nível nacional pretende limitar o poder regulamentar dos municípios, prevendo que os seus regulamentos não poderão conter normas que versem sobre matérias de natureza procedimental ou de caráter instrutório.
Visa-se eliminar discrepâncias entre procedimentos urbanísticos adotados em cada município, cometendo-se à Administração Central a criação de normas uniformes sobre as referidas matérias. Neste quadro, penaliza-se com a nulidade qualquer regulamento municipal que trate das mesmas – ou seja, que trate das matérias que se encontrem elencadas no n.º 3 do artigo 3.º do RJUE, contrariando ou desviando-se das regras definidas para todo o território nacional. Embora possa ter vantagens do ponto de vista de uniformização, esta limitação poderá ter a desvantagem de cercear os poderes municipais em matéria de planeamento, desconsiderar os planos municipais ou postergar o disposto em lei especial, na medida em que alguns dos elementos exigidos pelos municípios decorrem precisamente do disposto em planos municipais ou de condicionantes em vigor no certo local. Aliás, a Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril, atualmente em vigor (que estabelece quais são os elementos instrutórios dos procedimentos do RJUE) já prevê que “só podem ser exigidos documentos não constantes dos respetivos anexos previstos em lei especial ou em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território”, mas o seu efeito parece ter sido diminuto na prática regulamentar municipal nos últimos 9 anos. Apenas com a prática se verá qual o efeito do Simplex nesta matéria.
A partir do dia 8 de abril de 2024, o Diário da República disponibilizará, através do seu portal, de forma sistematizada e por município, todos os regulamentos urbanísticos municipais aprovados, os quais deverão observar as regras introduzidas pelo novo diploma.
Será assim inadmissível que os municípios exijam elementos instrutórios adicionais que devam acompanhar a submissão de requerimentos ou comunicações, destinados ao início de um procedimento urbanístico, passando os mesmos a estar regulados apenas em nova portaria, a ser posteriormente aprovada pelos membros do governo competentes. Sem dúvida que a publicação da nova portaria suscitará novas questões, que oportunamente analisaremos.
Existem, todavia, alguns elementos instrutórios de natureza relativamente pacífica que não podem ser exigidos para acompanhar o pedido de licenciamento ou a comunicação prévia, de entre os quais se salienta:
(i) Formas de autenticação, de reconhecimento ou de certificação das assinaturas de qualquer documento;
(ii) Cópias de documentos na posse da Câmara como, designadamente títulos de operações ou registos;
(iii) Caderneta predial;
(iv) Cópias de certidões permanentes, bastando, neste caso, a indicação do número da certidão permanente
(v) Plano de segurança, podendo ser solicitada a exibição do mesmo em sede de fiscalização, quando aplicável;
(vi) Relatório de segurança;
(vii) Livro de obra digitalizado;
(viii) Cópias de cartão do cidadão, bilhete de identidade ou cédulas profissionais.
2. Nova dinâmica em matéria de competências dos municípios e clarificação dos seus poderes de análise técnica e de decisão
Tendo por base o facto de (i) a aprovação das licenças e a (ii) aprovação dos pedidos de informação prévia serem competência da Câmara Municipal e de a anterior versão do artigo 5.º do RJUE prever a faculdade de delegação no presidente da Câmara Municipal e da subdelegação deste nos vereadores, o Simplex permite, agora, que os dirigentes dos serviços municipais possam também exercer essas mesmas competências, por via da subdelegação nestes últimos.
Esta alteração visa, sobretudo, fomentar a celeridade decisória nos procedimentos urbanísticos, evitando que os prazos de decisão sobre os pedidos de licenciamento – que, entretanto, também foram alterados conforme assinalámos anteriormente – e sobre os pedidos de informação prévia sejam ultrapassados, em virtude das conhecidas dificuldades administrativas em dar resposta à globalidade dos pedidos efetuados pelos particulares.
Por outro lado, no que respeita aos poderes exercidos em sede de controlo prévio urbanístico dos pedidos de licenciamento de obras, as câmaras municipais estão impedidas de apreciar:
- Os projetos de especialidades;
- Os projetos respeitantes a obras no interior dos edifícios ou suas frações;
- A existência de compartimentos ou locais para caixotes do lixo ou outros elementos de mobiliário urbano, tais como, a título de exemplo, caixas de correio.
Note-se que o n.º 8, do artigo 20.º do RJUE, já estabelecia expressamente que as declarações dos projetos das especialidades (e de outros estudos) constituíam “garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, excluindo a sua apreciação prévia”, salvo certas situações.
Neste seguimento, o Simplex Urbanístico elenca taxativamente os aspetos que deverão ter por base a apreciação dos projetos de arquitetura, sendo que as câmaras municipais deverão verificar se estes são conformes com:
- Os planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território;
- As medidas preventivas;
- A área de desenvolvimento urbano prioritário;
- A área de construção prioritária;
- As servidões administrativas;
- As restrições de utilidade pública;
- O uso proposto;
- A adequação e capacidade das infraestruturas; e com
- As normas legais e regulamentares relativas ao aspeto exterior e à inserção urbana e paisagística das edificações, desde que os planos ou regulamentos municipais densifiquem tais aspetos.
Podem, no entanto, suscitar-se algumas dúvidas acerca da articulação entre os poderes de apreciação dos municípios e os fundamentos de indeferimento de pedidos de licenciamento consagrados no RJUE, tais como os decorrentes da operação urbanística afetar negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado (que se mantém no artigo 24.º, n.º 2, do RJUE).
Em suma, trata-se de um diploma que procura avançar no sentido da simplificação e digitalização entre 2024 e 2026, mas que ainda suscita muitas dúvidas acerca da forma como vai ser implementado na prática pelos municípios, tendo em consideração o respetivo enquadramento constitucional e legal.
Sara Teixeira Pinto | svi@servulo.com