Responsabilidade Médica por Intervenção Cirúrgica
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 22 Out 2018
No campo da responsabilidade médica decorrente de intervenção cirúrgica, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de abril de 2016 [1] retrata um caso que, pela frequência dos seus pressupostos, importa analisar:
A Autora (paciente) instaurou uma ação declarativa de condenação contra o médico que realizou a intervenção cirúrgica (1.º Réu) e a clínica em cujas instalações aquela foi realizada e onde foram prestados os respetivos cuidados de saúde pós-operatórios (2.ª Ré), pedindo a condenação solidária de ambos no pagamento de 183.076,55 Euros, em função dos danos físicos e morais sofridos, acrescido das despesas futuras que teria de suportar, nomeadamente consultas médicas, tratamentos, internamentos, operações cirúrgicas e medicamentos.
Para tal, a Autora invocou, em síntese, que havia celebrado com o médico um contrato de prestação de serviços médicos, que tinha por objeto a realização de uma cirurgia para a colocação de uma prótese na anca, a realizar nas instalações da clínica, contra o pagamento de remuneração.
A Autora alegou, todavia, que, na operação, veio a ser-lhe colocada uma haste metálica demasiado longa, o que lhe provocou paralisia do nervo grande ciático direito. Pelo que, dois dias depois, a Autora teve de ser sujeita a uma nova cirurgia, de forma a encurtar a dimensão da prótese.
Por fim, a Autora referiu que, em consequência das cirurgias a que foi sujeita, veio a sofrer inúmeras lesões, que impediram que mantivesse a sua atividade profissional e comprometeram o seu futuro pessoal, familiar e social.
Em Primeira Instância, a ação foi julgada improcedente e os Réus (médico e clínica) foram absolvidos do pedido. A Autora viria, contudo, a recorrer desta sentença, peticionando a procedência da ação e a condenação dos Réus nos termos inicialmente expostos. A Relação de Lisboa viria a negar provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida. Dessa decisão a Autora interpôs, porém, recurso para o STJ, o qual veio a proferir, por unanimidade, o acórdão aqui em análise.
Cumpre, não obstante, advertir que a Autora limitou o objeto do recurso à pretendida condenação do 1.º Réu (médico), tornando, assim, a absolvição da 2.ª Ré (a clínica) definitiva.
Relativamente ao 1.º Réu, a Autora alegou que o acórdão recorrido teria descurado o disposto no artigo 799.º do Código Civil («CC»), por não ter tido em conta a presunção de culpa que sobre aquele recaía, pelo facto de a responsabilidade médica revestir natureza contratual – por derivar da violação de um contrato de prestação de serviços médicos.
Quanto a este ponto, o STJ refere que, pese embora o art. 1154.º do CC defina o contrato de prestação de serviço como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, no caso de um «contrato de prestação de serviços médicos, o «resultado» não é, por norma, a cura em si, mas os próprios cuidados de saúde, ainda que aquela não seja alcançada». Com efeito, «o resultado do trabalho médico consiste, em princípio, nos próprios meios utlizados, nas tarefas executadas, com o intuito de alcançar certo efeito final, mesmo que este não seja atingido».
O STJ concluiu, pois, que sendo a obrigação principal assumida pelo médico a de tratamento, é a mesma de qualificar, em geral, com obrigação de meios e não de resultado, não se vinculando o médico a obter a cura do paciente, mas apenas a procurá-la por meio do tratamento que os seus específicos conhecimentos científicos e técnicos determinem como adequado. [2]
Com efeito, adiantou o STJ que, no domínio da responsabilidade contratual, o facto de o médico não lograr obter o resultado pretendido – cura ou melhoria do estado de saúde – não dita o incumprimento, nem a convocação de uma presunção legal de culpa. Nas palavras do STJ, «[o] que legitima o recurso a essa presunção é, antes, a prática de algum erro no que respeita aos meios e técnicas de tratamento adotados, o qual se verifica quando ocorre uma falha profissional, não intencional, no que se refere aos instrumentos ou técnicas de intervenção utilizadas, por não se encontrarem de acordo com a leges artis».
Pelo que não será suficiente a não obtenção do resultado. Por conseguinte, para o operar da presunção, caberá ao paciente a prova do incumprimento ou cumprimento defeituoso, i.e., que o médico não praticou todos os atos normalmente considerados necessários para a finalidade desejada.
[2] Este entendimento fora já sufragado pelo STJ em diversas ocasiões, entre outros, em acórdão de 17/01/2013, Processo n.º 9434/06.6TBMTS.P1.S1 (Ana Paula Boularot).