Regime Extraordinário e Transitório para Proteção de Pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 20 Jul 2018
Foi publicada, no passado dia 16 de Julho, a Lei nº 30/2018, que estabelece um regime extraordinário e transitório para proteção de idosos ou com deficiência, que sejam arrendatárias e residam no mesmo imóvel há mais de 15 anos, (ou seja, pelo menos desde 2003), operando uma suspensão temporária dos prazos de oposição à renovação e de denúncia pelos senhorios de contratos de arrendamento.
A lei aplica-se a pessoas com mais de 65 anos ou com um grau de deficiência (de comprovada incapacidade) igual ou superior a 60%.
Para estes casos, o senhorio só pode opor-se à renovação de arrendamentos com prazo certo ou proceder à denúncia de contratos de arrendamentos no caso de necessidade de imóvel para habitação pelo senhorio ou pelos seus descendentes em 1º grau, ou seja, nas situações previstas no artigo 1101º do Código Civil.
A lei estabelece um regime transitório, com aplicação até 31 de Março de 2019, e suspende, de forma expressa e inequívoca, todas as denúncias e oposições à renovação que tenham já sido realizadas pelos senhorios, e cujos efeitos se devam produzir até 31 de Março de 2019, com base num dos seguintes fundamentos, previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101º do Código Civil:
b) Demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado;
c) Comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretenda a cessação.
Da mesma forma, todos os procedimentos especiais de despejo ou ações judiciais de despejo com os fundamentos indicados nas referidas alíneas b) e c) supra, ou na sequência de oposição à renovação pelo senhorio, deverão ver suspendida a sua tramitação nos tribunais ou no balcão nacional do arrendamento, até à mesma data de 31 de março de 2019.
É feita expressa exceção aos seguintes casos:
a) Quando tenha havido já pagamento ao arrendatário da indemnização;
b) Quando tenha havido celebração de acordo de revogação do contrato de arrendamento, estabelecendo, desde já, o pagamento dessa indemnização, exceto, se até 31 de Março de 2019, o arrendatário renunciar à indemnização, restituindo as quantias que para o efeito tenha recebido;
c) Quando a decisão judicial de terminar o contrato de arrendamento já tenha transitado em julgado.
O regime transitório em apreço traz, em nosso entendimento, sérias dúvidas no que toca à interpretação dos limites do direito à propriedade privada, versus o direito social à habitação (que constitucionalmente, compete ao Estado assegurar, com uma adequada política habitacional, que, até ao momento, ainda não foi instituída), tendo a sua constitucionalidade sido já inclusivamente questionada por algumas Associações de Proprietários.
A suspensão dos processos de denúncia de contratos de arrendamento em curso, e o direito ao arrependimento do inquilino, nos casos em que ambas as Partes, livremente, já celebraram acordos de revogação dos arrendamentos e em que foram acordados pagamentos de indemnizações, algumas das quais já inclusivamente pagas e recebidas pelos inquilinos constitui, parece-nos, uma violação das legitimas expectativas dos titulares de direitos, e bem assim um evidente perigo para a segurança jurídica.
O regime vigente, designadamente a Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, na sua redação atualizada, relativo ao regime de obras nos prédios arrendados, já permitia, para os arrendamentos anteriores ao RAU (ditos vinculísticos), que os inquilinos previstos por esta lei, isto é, com mais de 65 anos, ou com um grau de deficiência (de comprovada incapacidade) igual ou superior a 60%, escolhessem, sem possibilidade de oposição pelo senhorio, realizada a denúncia para obras de remodelação e restauro profundo, a indemnização legal ou o realojamento pelo senhorio, realojamento este feito, necessariamente, para freguesia limítrofe, e para imóveis de tipologia adequada ao agregado familiar, e de qualidade boa ou superior, com idêntico valor de renda ao que pagam atualmente.
A Lei nº 30/2018 pretende olhar para os arrendamentos celebrados até 2003 que hoje se mantenham, e torná-los vinculísticos para esses arrendatários. O que sucede é que as expectativas dos arrendatários dos arrendamentos vinculísticos não são as mesmas que as expectativas dos arrendatários com contratos de duração efetiva que foram celebrados após a entrada em vigor do RAU, admitindo que o possam ser as dos contratos de duração indeterminada celebrados após essa data. Mas a verdade é que este regime não se cinge apenas a estes últimos. Abrange todos, e de forma idêntica. E nessa parte, segundo cremos, o legislador não esteve bem.
Carla Parreira Leandro