Proposta de Regulamento Europeu sobre infraestruturas de mercado DLT
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 06 Out 2020
No passado dia 24 de setembro de 2020 foi publicada a primeira Proposta de Regulamento, do Parlamento Europeu e Conselho, para um regime de infraestruturas de mercado com base nas tecnologias de distribuição e partilha de dados - Distributed Ledger Technologies (“DLT”). Esta proposta insere-se no Digital Finance Package, um conjunto de medidas cujo objetivo passa por garantir que a União Europeia se mantém a par dos desenvolvimentos tecnológicos que se verificam no setor financeiro.
Como seria de esperar, este diploma tem como espinha dorsal os requisitos e disposições legais da DMIF II e restante pacote regulatório associado. Não obstante, representa o primeiro esforço oficial, por parte das autoridades e reguladores europeus, de regular e estabelecer um regime autónomo para uma das tecnologias mais inovadoras e disruptivas do setor financeiro: as DLT.
A Proposta de Regulamento estabelece um conjunto de requisitos que devem ser verificados pelos sistemas de negociação multilateral (“MTF”) e pelos sistemas de compensação e liquidação que pretendam implementar um sistema DLT.
Entre as diferentes definições previstas no artigo 2.º da Proposta de Regulamento, o destaque recai no n.º 5 deste artigo, ao definir quais os valores mobiliários transacionáveis em DLT - “DLT transferable securities”, na medida em que limitam a aplicação desta tecnologia às (i) ações de sociedades e outros valores equivalentes a ações de sociedades, de sociedades de responsabilidade ilimitada (partnership) ou de outras entidades, bem como certificados de depósito de ações; e às (ii) Obrigações ou outras formas de dívida titularizada, incluindo certificados de depósito desses títulos [1].
Para que possam ser transacionados num sistema DLT, os valores mobiliários transacionáveis nos termos referidos devem respeitar as limitações e requisitos previstos no artigo 3.º da Proposta. Entre estes encontram-se limitações e requisitos relativos à capitalização e dimensão de emissão dos emitentes (n.º 1), à emissão e negociação de obrigações e títulos soberanos (n.º 2) e ao valor de mercado (n.º 3, 4 e 5).
De forma geral, os requisitos aplicáveis aos sistemas de negociação multilateral que operem um sistema DLT e às centrais de depósito de valores mobiliários (“CSD”) são os que resultam da DMIF II, do Regulamento (UE) 2014/600 e Regulamento (UE) 909/2014. Não obstante, existem algumas exceções que devem ser consideradas, nomeadamente a possibilidade de registar os valores mobiliários no próprio livro razão do sistema de negociação multilateral DLT, em detrimento de serem registados nas CSD, tal como sucedia no Regulamento (UE) 909/2014 [2].
De igual modo, no que diz respeito aos CSD, o Artigo 5.º da Proposta de Regulamento apresenta um conjunto de exceções/ limitações ao cumprimento dos requisitos previstos no Regulamento (UE) 909/2014, nomeadamente, a isenção de aplicação dos requisitos relacionados com (i) forma desmaterializada, ordens de transferência, contas de valores mobiliários, registo de valores mobiliários, integridade da emissão ou segregação de ativos (n.º 2); (ii) subcontratação (n.º3); (iii) participantes (n.º 4); (iv) liquidação financeira (n.º5); (v) ligação e acesso a CSD (n.º6) e (vi) carácter definitivo da liquidação (n.º 8) [3].
Para além dos requisitos gerais aplicáveis e previstos na DMIF II, este novo diploma apresenta um conjunto de requisitos adicionais que devem ser cumpridos aquando da implementação e utilização de infraestruturas DLT (artigo 6.º). Estes requisitos estão estreitamente relacionados com regras de transparência, informação, comunicação ou segurança dos participantes, em cumprimento dos princípios basilares da DMIF II.
São ainda estabelecidos requisitos específicos de permissão para as pessoas singulares autorizadas a desempenhar funções de empresas de investimento, a operar um mercado regulamentado ou como CSD.
Tal como referido nas disposições introdutórias do diploma, um dos principais objetivos para a elaboração deste Regulamento prende-se com a necessidade de acompanhar a inovação, retirando os obstáculos existentes, nomeadamente no que diz respeito às disposições legais existentes. Deste modo, ao ter por base o pacote regulatório da DMIF II, a Proposta de Regulamento para um regime de infraestruturas de mercado DLT apresenta-se como uma primeira solução e resposta para uma lacuna que começava a surgir no setor financeiro.
Guilherme Ribeiro Martins | grm@servulo.com
[1] Valores Mobiliários na aceção do artigo 4.º n.º 1, (44), alíneas a) e b) da Diretiva 2014/65/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 (DMIF II)
[2] De acordo com o disposto no Artigo 3.º n.º 2 do Regulamento (UE) 909/2014 “Quando uma transação de valores mobiliários for efetuada numa plataforma de negociação, os valores mobiliários em causa são registados sob forma escritural numa CSD na data de liquidação prevista ou antes dessa data, a menos que já tenham sido registados sob essa forma”.
[3] Todos previstos no Regulamento (UE) 909/2014: (i) forma desmaterializada (Artigo 2.º (4)), ordens de transferência (Artigo 2.º (9)), contas de valores mobiliários (Artigo 2.º (28)), registo de valores mobiliários (Artigo 3.º), integridade da emissão (Artigo 37.º) ou segregação de ativos (Artigo 38.º); (ii) subcontratação (Artigos 19.º e 30.º); (iii) participantes (Artigo 2.º (19)); (iv) liquidação financeira (40.º); (v) ligação e acesso a CSD (Artigo 50.º a 53.º) e (vi) carácter definitivo da liquidação (Artigo 39.º)