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Prestação de serviços de pagamento vs emissão de moeda eletrónica - O contributo do Tribunal de Justiça da União Europeia para a demarcação da fronteira

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 19 Mar 2024

Os fundos de clientes recebidos por Instituições de Pagamento (“IP”) que não sejam imediatamente acompanhados de ordens de pagamento consideram-se operações de emissão de moeda eletrónica?

Do ponto de vista da interpretação legal e pratica regulatória, o entendimento dominante vem sendo o de que as Instituições de Moeda Eletrónica (“IME”) se distinguem das IP por poderem deter fundos de clientes em contas de pagamento (como produtos “carteira”), ao passo que as IP podem apenas deter fundos de clientes para realização de operações de pagamento.

Sem prejuízo, e numa recente decisão de caráter inovador, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) decidiu que a atividade de IP que consista na receção de fundos de um utilizador de um serviço de pagamento, sem que esses fundos sejam imediatamente acompanhados de uma ordem de pagamento e que continuem disponíveis numa conta de pagamento durante vários dias, ou mesmo meses, sem movimentação. constitui um serviço de pagamento e não uma operação de emissão de moeda eletrónica (Acórdão ABC Projektai, de 22 de fevereiro de 2024, C?661/22).

Esta questão, com considerável potencial impacto para o setor de pagamentos, remonta a um pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia. Para esta decisão, o Tribunal teve em consideração os seguintes argumentos:

  1. A transferência de fundos de um utilizador de serviços de pagamento para uma conta de pagamento aberta junto de IP deve, em princípio, ser considerada uma operação de pagamento e estas operações não deixam de assim considerar-se pelo simples facto de não serem imediatamente acompanhadas de uma ordem de pagamento;
  2. Sendo embora verdade que a Segunda Diretiva relativa aos Serviços de Pagamento (“PSD 2”) impõe às IP obrigações no que respeita ao prazo de execução das ordens de pagamento ou às datas de referência a utilizar, esta consideração não prejudica o princípio, também previsto na PSD 2, segundo qual as IP só podem deter contas de pagamento que sejam utilizadas exclusivamente para operações de pagamento, uma vez que este requisito visa evitar o risco de reclassificação das atividades de serviços de pagamento como atividade de receção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis – atividade esta reservada às instituições de crédito – e não de emissão de moeda eletrónica;
  3. Embora a PSD 2 determine que os fundos de clientes recebidos por uma IP sejam limitados à execução de operações de pagamento, a mesma Diretiva não contém disposições que proíbam que fundos sejam creditados antecipadamente numa conta de pagamento com vista à execução de ordens de pagamento futuras nem fixa um prazo dentro do qual, depois de essa conta ter sido creditada num determinado montante, esse montante deva ser utilizado para efeitos de uma operação de pagamento. Esta consideração é tanto mais evidente em serviços de pagamento como sejam a execução de débitos diretos, que pressupõem a disponibilidade antecipada dos fundos necessários a essa operação na conta de pagamento do ordenante, ou quando se considera que as IP são obrigadas a salvaguardar os fundos recebidos de clientes;
  4. Para este efeito, o Tribunal esclarece que “moeda eletrónica” se define como (i) um valor monetário armazenado eletronicamente (ii) representado por um crédito sobre o emitente e emitido contra a entrega de fundos para operações de pagamento (iii) e aceite por pessoa diferente do emitente, o que se distingue do “simples lançamento na conta de pagamento” pois que esta operação não compreende a transformação (a emissão) de um valor monetário distinto dos fundos entregues que deva ser aceite como meio de pagamento por pessoa diferente do emitente;
  5. Conclui-se, por isso, que uma conta de pagamento pode ser dotada de fundos para futuras operações de pagamento e durante um período indeterminado sem que tal se transforme em “moeda eletrónica”, uma vez que a transferência dos fundos dos clientes para as contas de pagamento não converte o crédito sobre as IP numa nova categoria de ativo, senão apenas num “depósito” de fundos.

Refira-se, também, a oportunidade desta decisão, em pleno processo de revisão da legislação europeia em matéria de serviços de pagamento, encabeçada pela discussão da Proposta de Terceira Diretiva relativa aos Serviços de Pagamento (“PSD 3”), apresentada pela Comissão Europeia em junho de 2023, pelo que se aguarda com expectativa se a decisão do TJUE será, e em que termos, acolhida no renovado panorama legislativo europeu nesta matéria, em particular no que respeita à potencial circunscrição do conceito de “moeda eletrónica” e ao consequente alargamento do conceito de prestação de “serviços de pagamento”.

Verónica Fernández | vf@servulo.com

José Eduardo Oliveira | jpo@servulo.com

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