PRR Português: Sustentabilidade, inclusão e resiliência são as palavras de ordem
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 07 Jul 2021
A Comissão Europeia aprovou, no passado dia 16 de junho, o plano de recuperação e resiliência (“PRR”) de Portugal, como instrumento da resposta conjunta e coordenada dos Estados membros às consequências económicas e sociais adversas ocasionadas pela crise da Covid-19. O PRR Português foi o primeiro a ser aprovado, não só por ter sido apresentado em primeiro lugar, “mas também porque a Presidência portuguesa desempenhou um papel fundamental na criação do quadro jurídico e financeiro para este esforço europeu comum sem precedentes”, nas palavras de Paolo Gentiloni, Comissário responsável pela Economia.
O PRR prevê um conjunto de reformas e iniciativas de investimento público e privado a serem implementadas em Portugal até 2026, por meio de apoio financeiro concedido pela União Europeia ao abrigo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, principal instrumento do NextGenerationEU, conforme delineado no Regulamento (UE) n.º 2021/241. No caso de Portugal, o apoio ascende a 16,6 mil milhões de euros, sendo 13,9 mil milhões concedidos sob a forma de contribuições financeiras não reembolsáveis (i.e., a fundo perdido), e os restantes 2,7 mil milhões concedidos sob a forma de empréstimos. Recorde-se que o montante é definido, para cada Estado membro, em função de fatores como a população nacional, o inverso do PIB per capita, a taxa de desemprego e a variação do PIB real nos anos de 2020 e 2021.
As medidas abrangidas por este apoio pretendem assegurar que Portugal esteja em condições de responder de forma justa, sustentável e inclusiva a futuros choques económicos, sociais e ambientais. O PRR centra-se em três vertentes fundamentais:
- Promoção da transição ecológica: 38% do apoio financeiro recebido ao abrigo do PRR será afeto ao apoio a objetivos climáticos, através de medidas como o financiamento de um programa de renovação urbana para aumentar a eficiência energética de edifícios, o apoio a projetos privados para produção de hidrogénio e recurso a outras fontes de energia renovável, a descarbonização do transporte rodoviário através da multiplicação das estações de carregamento de veículos elétricos, entre outros;
- Promoção da transição digital: 22% dos fundos serão destinados a medidas vocacionadas, por exemplo, para a digitalização da administração pública, a modernização dos sistemas informáticos do SNS e a promoção da literacia digital da população adulta e das competências necessárias para o ajustamento à evolução do mercado de trabalho.
- Reforço da resiliência socio-económica: designadamente através da implementação das recomendações específicas dirigidas a Portugal pelo Conselho no âmbito do Semestre Europeu em 2019 e 2020. A dimensão social e económica do PRR concretizar-se-á, por exemplo, no apoio ao acesso à habitação adequada a pelo menos 26.000 famílias, na melhoria das instalações científicas nas escolas secundárias e universidades e na capitalização do Banco Português de Fomento para facilitação do acesso ao financiamento, particularmente para as PMEs afetadas pela crise, e para promover a competitividade e a criação de emprego.
A execução destas medidas encontra-se sujeita ao princípio “do no significant harm”, conforme Orientações da Comissão, significando que o PRR não pode, em nenhum caso, prejudicar significativamente os objetivos ligados à mitigação e adaptação às alterações climáticas, preservação dos recursos marinhos e da água, promoção de uma economia circular, prevenção e controlo da poluição, e proteção da biodiversidade e ecossistemas. Trata-se de um princípio fundamental para garantir que a recuperação económica não compromete os objetivos da União em outras áreas igualmente cruciais.
Com a aprovação do PRR pela Comissão e a apresentação, pela mesma, de uma proposta de Decisão de Execução do Conselho, o Conselho dispõe agora de quatro semanas para adotar a referida proposta, após o que será concluído um acordo de financiamento e um acordo de empréstimo com a Comissão. Portugal terá então acesso a um pré-financiamento de 2,2 mil milhões de euros, equivalente a 13% do apoio financeiro previsto, a ser pago em uma ou mais prestações, consoante disponibilidade dos fundos. O acesso às prestações financeiras seguintes estará dependente do cumprimento satisfatório, por Portugal, das metas definidas em anexo à proposta de decisão, que concretizam e orientam a execução dos objetivos estratégicos do PRR. É um desafio gigantesco, estando a monitorização da implementação destas metas, no plano nacional, centralizada na estrutura ‘Recuperar Portugal’, criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46-B/2021.
Mediante cumprimento das respetivas metas, os Estados membros poderão apresentar um pedido de pagamento, com o limite de dois pedidos por ano, os quais estarão sujeitos à avaliação pela Comissão Europeia. O eventual incumprimento das metas poderá, no limite, resultar numa redução dos fundos alocados ao Estado membro. É, pois, na execução tempestiva e correta dos fundos disponibilizados que reside um dos principais desafios do Recuperar Portugal.
Antes dos PRRs, a necessidade de responder de forma coordenada aos efeitos assimétricos e à alteração das perspetivas económicas, sociais e orçamentais decorrentes do surto pandémico da Covid-19 já havia motivado a aprovação pela Comissão Europeia, desde o final do primeiro trimestre de 2020, de múltiplos regimes de auxílios públicos, mormente ao abrigo do Quadro Temporário relativo às medidas estatais destinadas a apoiar a economia em virtude da pandemia da Covid-19. Atualmente encontra-se ainda em vigor, designadamente, o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial, instituído pelo Decreto-Lei n.º 46-A/2020, de 30 de julho. Aí se prevê, em especial, o apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho, ou lay-off simplificado.
A aprovação do PRR português representa, no âmbito da resposta à crise pandémica e numa linha de continuidade com o Quadro Temporário, a concretização de um esforço europeu comum sem precedentes, que atesta a importância vital da cooperação entre Estados membros para ultrapassagem de choques económicos e sociais e salvaguarda da coesão na União. O êxito português será um êxito europeu, que pavimentará o caminho para a construção de uma economia europeia mais resiliente e coesa.
Guilherme Oliveira e Costa | goc@servulo.com
Maria Eduarda Fagundes | mef@servulo.com