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O uso de lenço islâmico por trabalhadora: o véu da discórdia

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 07 Set 2016

A 31 de maio de 2016, foram publicadas as Conclusões da Advogada-Geral Juliane Kokott, no processo C-157/15, Samira Achbita c. G4S Secure Solutions NV, que se encontra pendente no Tribunal de Justiça da União Europeia («TJUE»).

O litígio pode ser assim resumido: um empregador privado belga – empresa que presta serviços de vigilância, de segurança e de receção a entidades terceiras – proibiu o uso, no local de trabalho, do lenço islâmico, ainda que deixando visível a face. Uma tal proibição decorria de regulamento interno que, tendo por propósito instituir uma política de neutralidade, vedava aos trabalhadores exibirem, no local de trabalho, quaisquer sinais visíveis de convicções políticas, filosóficas ou religiosas.

Objetando a uma tal proibição, Samira Achbita, de religião muçulmana e contratada para o exercício de funções de rececionista, persistiu no uso do véu, no âmbito da sua atividade profissional, vindo a ser despedida. A trabalhadora entendeu ter sido alvo de prática discriminatória vedada, em razão da religião.

Um outro processo, de natureza semelhante, encontra-se igualmente pendente no TJUE (Asma Bougnaoui c. Micropole SA, processo C-188/15). Também este caso trata da recusa de trabalhadora, muçulmana praticante, em cumprir a ordem do empregador francês que veda a utilização do lenço, sempre que os trabalhadores se encontrem em visita a clientes. No caso, trata-se de uma engenheira de projeto, a quem a proibição do uso do lenço terá surgido após um dos clientes ter solicitado à empresa que os consultores que lhe fossem afetos não envergassem vestuário religioso. Ao contrário da situação descrita em Samira Achbita c. G4S, agora a trabalhadora apenas pontualmente exercia a sua atividade profissional junto de clientes – o que se traduzia em aproximadamente 5% do seu tempo de trabalho.

Nos dois casos, o TJUE é, assim, chamado a pronunciar-se sobre uma temática redobradamente sensível, no contexto atual. No plano do Direito da União Europeia e na esfera laboral, está em causa avaliar a conformidade de tais restrições sobretudo à luz do disposto na Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, no plano da igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional.

No primeiro litígio (Samira Achbita c. G4S), a solução proposta pela Advogada-Geral Juliane Kokott é a de que a proibição não constituirá uma discriminação direta em razão da religião, contanto que tal se baseie numa regra geral da empresa que proíba o uso de sinais visíveis de qualquer convicção política, filosófica e religiosa no local de trabalho, não assentando em estereótipos ou preconceitos em relação a uma (ou várias) religiões específicas. Concebendo, porém, que tal proibição redunde numa prática discriminatória que indiretamente penalize sobretudo trabalhadores de dada religião, indica que, ainda assim, uma tal discriminação pode afigurar-se justificadase for necessária à implementação de uma política de neutralidade no plano religioso. Tal exigirá, todavia, cuidadosa ponderação dos interesses conflituantes das partes (trabalhador e empregador), devendo, no âmbito de uma tal conformação, atender-se, em especial: (i) à dimensão do sinal religioso; (ii) à natureza da atividade profissional e ao contexto organizativo; (iii) ao modo como funções devem ser exercidas e, por fim, (iv) à identidade nacional do Estado-Membro.

Já no segundo litígio (Asma Bougnaoui c. Micropole SA), as respetivas Conclusões foram apresentadas, em 13 de julho de 2016, pela Advogada-Geral Eleanor Sharpson, para quem dificilmente se poderá negar a verificação de uma discriminação direta em razão da religião. Sustenta, a tal propósito, que um regulamento interno que proíba os trabalhadores de usarem símbolos ou vestuário religioso quando em contacto com os clientes tenderá a constituir uma discriminação direta (e, por conseguinte, vedada) em razão da religião.

Importa, assim, dar resposta a uma temática de grande atualidade e com impacto muito relevante nas relações laborais dos diversos Estados-Membros. É, aliás, antecipável um número crescente de litígios de objeto idêntico, aguardando-se, por isso, com redobrada expetativa, as decisões do TJUE nos processos acima descritos.

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