O regime das ações com voto plural no novo Código dos Valores Mobiliários
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 08 Abr 2022
No passado dia 30 de janeiro de 2022, entrou em vigor a Lei n.º 99-A/2021, de 31 de dezembro, a qual introduziu várias alterações ao Código dos Valores Mobiliários (“CVM”).
Uma das mais significativas novidades trazidas pela referida Lei consiste na previsão da possibilidade de emissão de ações com voto plural, consubstanciando uma exceção à proibição expressa do voto plural nas sociedades anónimas, estabelecida no artigo 384.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), bem como uma clara derrogação do princípio “one share, one vote”, consagrado no artigo 384.º, n.º 1 do CSC, o qual assenta numa premissa de plena correspondência entre a titularidade de ações e de direitos de voto.
Segundo a Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários, a introdução do voto plural em sociedades cotadas visou “responder às necessidades das empresas e dos investidores, por via do reforço da competitividade e do desenvolvimento do mercado de capitais português”, esperando-se que esta medida promova uma maior atratividade do mesmo.
Com efeito, ao abrigo do disposto no novo artigo 21.º-D do CVM, as sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral, passam a poder emitir ações com direito especial ao voto plural, até ao limite de cinco votos por cada ação.
A previsão de voto plural poderá ter lugar (i) ab initio, i.e., através de estipulação no contrato de sociedade, aquando da respetiva constituição (cfr. artigo 24.º, n.º 1, do CSC), ou (ii) posteriormente, através de um aumento do capital social ou da conversão de ações ordinárias em ações privilegiadas , carecendo, em qualquer um destes casos, de aprovação pela maioria legalmente prevista para a alteração do contrato de sociedade das sociedades anónimas, i.e., maioria de dois terços dos votos emitidos (cfr. artigos 386.º, n.º 3 e 383.º, n.º 2 do CSC, aplicáveis ex vi artigo 21.º-D, n.º 3 do CVM).
Não obstante o referido, existiam já desvios ao princípio “one share, one vote” no ordenamento jurídico português.
A este respeito, o artigo 384.º, n.º 2 do CSC estabelece a possibilidade de os estatutos (i) fazerem corresponder um só voto a um determinado número de ações, contanto que tal limitação seja aplicada a todas as ações emitidas pela sociedade e seja atribuído pelo menos um voto a cada mil euros de capital, bem como (ii) fixarem “tetos de voto” (voting caps), por força dos quais não são contados votos emitidos por um acionista acima de certo número.
Por seu turno, os artigos 341.º e seguintes do CSC admitem a emissão de ações preferenciais sem direito de voto, as quais, implicando a supressão do direito de voto do acionista, atribuem-lhe, em compensação, um direito preferencial na distribuição de dividendos.
De notar ainda que o voto plural, limitado ao voto duplo, já havia sido acolhido no artigo 250.º, n.º 2, do CSC a respeito das sociedades por quotas.
Sofia Carreiro | svc@servulo.com
Catarina Marques da Silva | cms@servulo.com