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O novo regime europeu de mercados de criptoativos

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 28 Set 2020

No dia 24 de setembro de 2020 foi publicada uma Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos mercados de criptoativos. Esta proposta insere-se no Digital Finance Package, um pacote de medidas que visa apoiar o potencial do digital finance [1] em termos de inovação e competição, e diminuir os riscos que lhes estão associados.

A Proposta de Regulamento vem estabelecer uma nova estrutura legal, preenchendo uma lacuna que até agora existia no direito europeu em matéria de regulação de criptoativos, visando regular os criptoativos que não se encontrem abrangidos pela legislação europeia já existente no domínio dos serviços financeiros. O diploma identifica, desde logo, três categorias de criptoativos em relação aos quais é aplicável, designadamente os asset-referenced tokens, os e-money tokens e os utility tokens.

Esta proposta estabelece um conjunto de regras harmonizadas destinadas aos emitentes de criptoativos e prestadores de serviços de criptoativos na União Europeia.

Em relação aos emitentes de criptoativos, este diploma faz depender a oferta de criptoativos ao público ou a sua admissão para negociação numa plataforma de negociação do cumprimento de uma série de requisitos, entre os quais se destacam a adoção pelo emitente de personalidade coletiva, a elaboração de um whitepaper (documento informativo próximo de um prospeto mas que não constitui um prospeto nos termos do Regulamento (UE) 2017/1129), que deverá conter informações sobre o emitente, a oferta ou a negociação, os direitos e obrigações, a tecnologia subjacente, etc., e a notificação do whitepaper à autoridade nacional competente.

É importante notar que existem algumas especificidades de regime, estabelecendo-se requisitos adicionais e específicos conforme se trate de emitentes de asset-referenced tokens ou de e-money tokens. Ora, por exemplo, os emitentes de asset-referenced tokens estão sujeitos ao cumprimento de regras adicionais, nomeadamente em matéria de requisitos de capitais próprios, requisitos de governance, regras em matéria de conflitos de interesses, regras em matéria de ativos de reserva e o conteúdo do whitepaper a divulgar deve incluir a divulgação de informações adicionais e específicas. Por sua vez, os emitentes de e-money tokensdevem estar autorizados enquanto instituição de crédito ou “instituição de moeda eletrónica” [2], prevendo-se a sua sujeição ao dever de divulgação de informações adicionais e específicas. Acresce ainda que são as autoridades nacionais que estão encarregues da supervisão dos emitentes de e-money tokens e asset-referenced tokens, porém, no caso dos emitentes de significant asset-referenced tokens e significant e-money tokens [3], a supervisão já pertencerá à Autoridade Bancária Europeia (“EBA”).

Em relação aos prestadores de serviços de criptoativos, estes sujeitos devem ter personalidade coletiva e ter a sua sede num Estado Membro, devendo ainda obter uma autorização da autoridade nacional competente para poderem prestar serviços de criptoativos. A Proposta de Regulamento regula a atuação destes sujeitos, impondo nomeadamente o cumprimento de requisitos prudenciais, requisitos organizacionais, regras sobre a custódia dos fundos dos clientes e regras sobre conflitos de interesses. Estabelecem-se, ainda, requisitos adicionais quando em causa esteja a prestação de serviços de criptoativos específicos, como por exemplo o serviço de custódia de criptoativos, de execução de ordens, da colocação de criptoativos e da receção e da transmissão de ordens.

Por fim, destaca-se que a Proposta de Regulamento estabelece regras em matéria de prevenção do abuso do mercado envolvendo criptoativos.

Quanto à sua aplicabilidade, ao ser aprovado conforme consta da Proposta de Regulamento, o diploma tornar-se-á diretamente aplicável nos seus 27 Estados Membros 18 meses após a sua entrada em vigor, exceto para as disposições relativas aos asset-referenced tokens e aos e-money tokensque serão diretamente aplicáveis a partir da entrada em vigor do diploma.

Este diploma ilustra uma especial preocupação do legislador europeu com a regulação dos criptoativos capazes de colocar em causa a estabilidade financeira e a política monetária na zona euro, como é o caso dos asset-referenced tokens e e-money tokens, conferindo-lhes, assim, um tratamento regulatório diferenciado. Não há dúvidas que o quadro jurídico estabelecido com esta Proposta de Regulamento implicará sérios desafios para as entidades que operam com criptoativos; mas os benefícios são claros: este novo regime conferirá segurança jurídica aos mercados de criptoativos.

Andreea Babicean


[1] Termo utilizado para descrever o impacto das novas tecnologias na indústria dos serviços financeiros.

[2] Na aceção do art. 2.º (1) da Diretiva 2009/110/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009 relativa ao acesso à atividade das instituições de moeda eletrónica, ao seu exercício e à sua supervisão prudencial.

[3] A qualificação como emitentes de significant e-money tokens ou de significant asset-referenced tokens faz-se de acordo com os artigos 39.º e 50.º da Proposta de Regulamento.

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