O novo regime de prevenção de branqueamento de capitais (II): Os deveres adicionais previstos no Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2018
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 31 Out 2018
No passado dia 26 de setembro de 2018, foi publicado o Aviso do Banco de Portugal n.º 2 /2018, de 26 de setembro (“Aviso n.º 2/2018”), destinado a regulamentar várias matérias respeitantes à prevenção do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo (“PBCFT”), que se encontravam dispersas em diferentes diplomas. Mais precisamente, a entidade reguladora passou a regulamentar, num só diploma: (i) as condições de exercício dos deveres preventivos de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (previstos nos Capítulos IV e V da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (“Lei n.º 83/2017” ou “Lei”); (ii) os meios e os mecanismos necessários ao cumprimento, pelas entidades financeiras, dos deveres previstos na Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto, (“Lei n.º 97/2017”), tendo em a vista aplicação e a execução de medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas (“ONU”) ou pela União Europeia (“UE”); (iii) e ainda as medidas que os prestadores de serviços de pagamento, deverão adotar, para detetar as transferências de fundos, em situações em que as informações sobre o ordenante ou o beneficiário são omissas ou incompletas, e os procedimentos adequados a gerir as transferências de fundos, que não sejam acompanhadas das informações requeridas pelo Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015 (“Regulamento 2015/847”).
No âmbito desta intervenção, o BdP optou por dar uma maior ênfase aos deveres de controlo e de identificação e diligência, para depois se debruçar sobre aquilo que denominou de «Outros deveres». Dito isto, importa referir que aqui apenas iremos incidir a nossa atenção sobre este catálogo de «Outros deveres», nos quais incluiu os deveres de recusa, de conservação, de exame, de não divulgação e de formação.
Começando pelo dever de recusa (cfr. artigo 39.º), esclareça-se, em primeiro lugar, que este não reclama a existência de suspeitas concretas e identificadas, prendendo-se antes com a gestão de riscos de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. Neste quadro, importa distinguir dois momentos, a saber: (i) o momento em que a entidade financeira se recusa iniciar uma relação de negócio, realizar uma transação ocasional ou efetuar outras operações, sempre que não se obtenham os elementos identificativos e os respetivos meios comprovativos, necessários para a identificação e verificação da identidade do cliente, seu representante ou beneficiário efetivo, ou quando não se obtenha a informação necessária sobre a natureza, o objeto ou a finalidade da relação de negócio ( cfr. artigo 50.º da Lei n.º 83/2017); (ii) do momento em que a entidade financeira, perante o conhecimento ou suspeita de que certos fundos ou outros bens (independentemente do montante em questão) provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo, procede à comunicação de operações suspeitas, prevista no artigo 43.º da Lei n.º 83/2017.
Em bom rigor, este dever de recusa verifica-se nas situações previstas no n.º 2, e da alínea b) do n.º 50 da Lei. As entidades visadas tomam a decisão de pôr termo à relação de negócio e, seguidamente, inibem qualquer movimentação dos fundos ou outros bens associados àquela relação (nomeadamente, através de quaisquer meios de comunicação à distância).
De seguida, deverão entrar em contacto com o cliente, no prazo máximo de trinta dias, para que este indique a conta para a qual devem ser restituídos os fundos ou para que o cliente compareça pessoalmente perante as entidades financeiras, para a efetivação da restituição. Posteriormente, deverão conservar os fundos ou outros bens, mantendo os mesmos indisponíveis, até que a sua restituição seja possível.
Como vimos, caso as entidades financeiras que saibam, suspeitem, ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens provêm de atividades criminosas, ou que estão relacionados com o financiamento ao terrorismo, devem ter a iniciativa de comunicar às autoridades competentes tais suspeitas (cfr. artigo 43.º da Lei n.º 83/2017). A partir desse momento, ficam impedidas de revelar, aos clientes ou a terceiros, quaisquer informações relacionadas com as comunicações reportadas (cfr. n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 83/2017). Devem ainda atuar, sempre que possível, em articulação com as autoridades judiciárias ou policiais competentes, consultando-as previamente, sempre que tenham razões para considerar que a cessação da relação de negócio possa ser suscetível de prejudicar uma investigação (cfr. alínea d) do n.º 3 do artigo 50.º da Lei n.º 83/2017).
O Aviso regulamenta ainda o dever de conservação, obrigando a que as entidades financeiras conservem todos os todos os documentos, registos e análises recolhidos ou elaborados no âmbito do regime durante sete anos após o momento em que a identificação do cliente se processou ou, no caso das relações de negócio, após o termo das mesmas.
No que concerne ao dever de exame, previsto no artigo 41.º, o BdP veio determinar que, se em resultado do exercício daquele dever, as entidades obrigadas decidam não proceder à comunicação de operações suspeitas (cfr. n.º 4, do artigo 52.º e artigo 43.º, ambos da Lei n.º 83/2017) deverão, de uma forma tão completa quanto possível, incluir: (i) toda a informação enunciada nas subalíneas i) a v), da alínea c) do n.º 1, do artigo 44.º da Lei; (ii) bem como, os fundamentos que justificam a inexistência de fatores concretos de suspeição.
Assim, caberá ao BdP difundir e atualizar, através de Carta-Circular, uma lista meramente exemplificativa de eventuais indicadores de suspeição, com a enumeração de condutas, atividades ou operações que possam estar relacionadas com fundos, ou outros bens provenientes de atividades criminosas, ou relacionadas com o financeiramente ao terrorismo.
Por seu turno, o tratamento do dever de não divulgação não sofreu alterações significativas relativamente ao previsto no tratamento regulamentar antecedente. O Aviso n.º 2/2018 limitou-se apenas a aditar que, para efeitos do dever de não divulgação, as entidades financeiras devem assegurar que os contactos com clientes, relacionados com as comunicações previstas no n.º 1 do artigo 54.º da Lei, se processam, sempre que adequado e proporcional, em articulação com o responsável pelo cumprimento normativo previsto no artigo 7.º e, sempre que necessário, com as autoridades judiciárias ou policiais competentes.
Quanto ao dever de formação, foi agora determinado que as entidades visadas devem assegurar a implementação de uma política formativa adequada às finalidades previstas nos n.ºs 1 e 5, do artigo 55.º da Lei, que assegurem um conhecimento pleno, permanente e atualizados sobre as seguintes temáticas: (i) o quadro normativo aplicável em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo; (ii) as políticas e os procedimentos e controlos, em matérias de PBCFT, definidos e implementados pela entidade financeira; (iii) as orientações, recomendações e informações emitidas pelas autoridades judiciárias, autoridades policiais, autoridades de supervisão ou associações representativas do setor; (iv) os riscos, tipologias e métodos associados a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas, ou com o financiamento do terrorismo; (v) as vulnerabilidades das áreas de negócio desenvolvidas, bem como dos produtos, serviços e operações disponibilizados pela entidade, bem como dos canais de distribuição desses produtos e serviços e dos meios de comunicação utilizados com os clientes; (vi) os riscos reputacionais e as consequências de natureza contraordenacional decorrentes da inobservância dos deveres preventivos do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo; (vii) as responsabilidades profissionais específicas em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo e, em especial, as políticas e os procedimentos e controlos associados ao cumprimento dos deveres preventivos.
Dito isto, e para efeitos do cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 55.º da Lei, aos recém-admitidos e colaboradores, deverá ser desenvolvida uma política formativa que seja adequada à sua experiência e qualificações profissionais, e que incida, pelo menos, sobre as seguintes temáticas: (i) os princípios e conceitos básicos em matéria de PBCFT; (ii) os princípios fundamentais do sistema de controlo interno da entidade financeira e as políticas e os procedimentos e controlos instrumentais para a sua execução; (iii) e os principais riscos e elementos caracterizadores de suspeição associados a cada área de negócio da entidade financeira, em termos que permitam, desde o início de funções, o reconhecimento de quaisquer condutas, atividades ou operações cujos elementos caracterizadores as tornem suscetíveis de poderem estar relacionadas com fundos ou outros bens que provenham de atividades criminosas ou que estejam relacionados com o financiamento do terrorismo.
Para o efeito, as entidades obrigadas deverão manter registos atualizados das ações de formação realizadas (sejam feitas interna ou externamente, cfr. n.º 5 do artigo 55.º da Lei), devendo os registos das ações de formação, pelo menos, conter a seguinte informação: (i) denominação; (ii) data de realização; (iii) entidade formadora; (iv) duração (em horas); (v) natureza (formação interna ou externa); (vi) ambiente (formação presencial ou à distância); (vii) material didático de suporte; (viii) nome e função dos formandos (internos e externos); (ix) avaliação final dos formandos, quando exista.
Luísa Cabral Menezes
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