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O novo modelo de governação dos fundos europeus

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 16 Fev 2023

I. No passado dia 26 de janeiro, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 5/2023, que estabelece o modelo de governação dos fundos europeus para o período de programação 2021-2027.

O Decreto-Lei dá o mote legislativo para a execução do Portugal 2030 e para a sua articulação com o Plano de Recuperação e Resiliência. Ao todo, o novo modelo de governação tem em vista a execução de um envelope financeiro superior a 40 mil milhões de euros.

II. Os fundos compreendidos no âmbito de aplicação do Decreto-Lei são os seguintes:

i) Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER);

ii) Fundo Social Europeu Mais (FSE+);

iii) Fundo de Coesão (FC);

iv) Fundo para uma Transição Justa (FTJ);

v) Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura (FEAMPA);

vi)  Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI); e

vii) Programas de Cooperação Territorial (INTERREG) e outros fundos (com as devidas adaptações).

Além destes, o diploma dispõe ainda sobre os fundos previstos no plano estratégico da Política Agrícola Comum para Portugal (PEPAC):

i) Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA); e

ii) Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER).

III. A execução destes fundos assenta em cinco objetivos estratégicos alinhados com as prioridades políticas nacionais e europeias:

i) Portugal mais competitivo e inteligente (OP1): investimento na inovação, na digitalização, na competitividade das empresas, nas competências para a especialização inteligente e no empreendedorismo;

ii) Portugal mais verde (OP2): investimento na execução do Acordo de Paris, na transição energética, nas energias renováveis e na luta contra as alterações climáticas;

iii) Portugal mais conectado (OP3): investimento nas redes de transportes estratégicas;

iv) Portugal mais social e inclusivo (OP4): investimento na execução do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, no emprego de qualidade, na educação, no acesso à cultura, na inclusão social e na igualdade de acesso aos cuidados de saúde; e

v) Portugal Territorialmente mais Coeso e Próximo dos Cidadãos (OP5): investimento no desenvolvimento local e no desenvolvimento urbano sustentável.

Estes objetivos estratégicos são cumpridos através de uma estruturação operacional assente em 12 programas: quatro de âmbito temático (demografia, qualificações e inclusão; inovação e transição digital; ação climática e sustentabilidade; e mar), cinco?regionais (correspondentes às NUTS II do Continente), dois das Regiões Autónomas, e um de assistência técnica. 

IV. O novo modelo define os órgãos de governação do Portugal 2030 e dispõe sobre as suas funções e competências.

No plano técnico, a coordenação continua a ser assegurada pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão (Agência, I.P.). Na cúpula da coordenação política geral mantém-se a Comissão Interministerial de Coordenação (CIC Portugal 2030), que, porém, passa a funcionar em plenário e em permanência.

À CIC Portugal 2030 plenária compete, nomeadamente, estabelecer orientações estratégicas relativas à programação, execução e gestão orçamental do Portugal 2030 e dos respetivos programas. Donde se compreende que este órgão seja presidido pelo membro do Governo responsável pela gestão global dos programas financiados pelos fundos europeus e composto por um membro do Governo de cada área governativa, bem como por representantes dos governos regionais dos Açores e da Madeira, sempre que estejam em análise matérias de competência regional. Também podem participar nos trabalhos do plenário da CIC Portugal 2030 a Associação Nacional de Municípios Portugueses e outras entidades em razão da matéria.

V. O Decreto-Lei retoca a constelação orgânica em que se desdobra a gestão, o acompanhamento e a execução dos programas do Portugal 2030. Às autoridades de gestão e aos organismos intermédios acrescem, designadamente, órgãos de acompanhamento, certificação, pagamento, recuperação, auditoria, acompanhamento das dinâmicas regionais e articulação funcional.

Neste âmbito, o legislador atribui um papel mais relevante às freguesias, que, através da ANAFRE, passam a integrar o comité de acompanhamento dos programas de atribuição de fundos – um corolário lógico do estatuto político-constitucional destas autarquias locais.

VI. No domínio da transparência, o novo modelo de governação institui sistemas de comunicação, de informação, de gestão e de controlo e apresenta várias medidas relevantes, como as seguintes:

i) Criação da Linha dos Fundos:  plataforma de serviço multicanal de apoio aos utilizadores para melhoria da experiência de interação com beneficiários e potenciais beneficiários em todas as matérias relacionadas com os fundos europeus;

ii) Desenvolvimento do Balcão dos Fundos: canal único de acesso agregador da informação e notificação dos beneficiários e simplificador dos processos de candidatura; e

iii) Publicitação obrigatória das operações aprovadas no Portal dos Fundos Europeus, bem como no Portal Mais Transparência.

VII. A aplicação do novo modelo de governação antevê-se complexa.

Desde logo, porque implica a articulação deste diploma com o disposto no Regulamento (UE) 2021/1060, do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece as disposições comuns relativas a vários fundos europeus. Depois, porque o Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12 de setembro, que estabelece o modelo de governação dos fundos do Portugal 2020, não só permanece em vigor, como passa a ser subsidiariamente aplicável ao novo período de programação.

No entanto, é no domínio das incompatibilidades e impedimentos que o novo modelo de governação parece revestir contornos mais difusos. Por um lado, o Decreto-Lei consagra um regime próprio de garantias de imparcialidade, impedindo de intervir nos procedimentos de seleção de operações, nos quais tenham interesse, os responsáveis dos organismos de execução de funções ou tarefas de gestão. Por outro, dispõe que, na organização e no funcionamento das autoridades de gestão, deve ser especialmente assegurada a prevenção de eventuais conflitos de interesse, bem como o respeito pelas regras relativas à acumulação de funções, tendo designadamente em conta as disposições do Código do Procedimento Administrativo. Num terceiro plano, o diploma determina a aplicação do Estatuto do Gestor Público a vários titulares de órgãos de gestão.

A harmonização destes diplomas será essencial para que o novo modelo de governação dos fundos se revele tão “claro, eficiente, transparente, ágil e flexível” como o seu preâmbulo anuncia.

VIII.  O Decreto-Lei constitui a base normativa para a execução do Portugal 2030 e para “uma resposta concertada, robusta e sem precedentes” aos desafios que o país enfrenta. Com este primeiro passo, abre-se caminho para a publicação de diplomas complementares que garantam uma maior sinergia e coerência entre as várias fontes de financiamento da economia portuguesa com origem no orçamento europeu. 

Daniel Castro Neves | dcn@servulo.com

Sara Teixeira Pinto | svi@servulo.com

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