O Direito Real de Habitação Duradoura: entre o arrendamento e a aquisição de propriedade
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 14 Jan 2020
No âmbito da “Nova Geração de Políticas de Habitação” (NGPH), entrou recentemente em vigor o Decreto-Lei n.º 1/2020, de 9 de janeiro, que vem criar e regular, inovatoriamente, o direito real de habitação duradoura (abreviadamente designado por “DHD”).
Visa-se com este novo direito, conforme referido no preâmbulo, apresentar “alternativas à aquisição de habitação própria e ao consequente endividamento das famílias” e, por outro lado, procurar afastar alguns inconvenientes do regime do arrendamento que “nem sempre é conducente à estabilidade e segurança desejáveis”.
O DHD permite a celebração de contratos que facultem a “uma ou mais pessoas singulares o gozo de uma habitação alheia como sua residência permanente por um período vitalício, mediante o pagamento ao respetivo proprietário de uma caução pecuniária e de contrapartidas periódicas.”
O morador presta ao proprietário uma caução pecuniária que varia, consoante a vontade das partes, entre os 10% e 20% do valor mediano de vendas do mercado da habitação, em função da localização e dimensão, de acordo com a atualização divulgada pelo Instituição Nacional de Estatística (“INE”).
A prestação desta caução pode ser vista com uma das vantagens do proprietário em aderir ao DHD, já que lhe permite ficar com a disponibilidade de um capital, que pode ser rentabilizado noutros imóveis ou investimentos que ele queira, garantindo-se ao mesmo tempo uma segurança pecuniária considerável, no caso de incumprimento do morador. Contudo, convém salientar que caso o morador decida extinguir o DHD, o que o pode fazer com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias, o proprietário terá que a devolver.
Por outro lado, o morador também deve pagar ao proprietário uma prestação mensal, cujo valor é livremente estabelecido pelas partes, bem como passa a pagar diretamente “as taxas municipais” e entrega ao proprietário “os montantes relativos ao Imposto Municipal sobre Imóveis”.
A isto acresce que as obras de conservação ordinária lhe competem, ficando o proprietário desonerado de tais encargos, ao contrário do que se prevê, supletivamente, também para o regime do arrendamento. Ora, o proprietário consegue garantir o imóvel num estado de conservação, no mínimo, médio, até ao momento da extinção do DHD, ao mesmo tempo que recebe uma quantidade de capital suportada pela prestação mensal e pela caução.
Destaca-se ainda como vantajoso para o proprietário a intransmissibilidade mortis causa do DHD, o que não sucede no contrato de arrendamento que não caduca por morte do arrendatário.
Salienta-se, no entanto, que o proprietário não pode opor-se ao DHD, contrariamente ao morador que pode a este livremente renunciar, conforme anteriormente referido.
Em resumo, com o presente diploma consegue-se um equilíbrio entre a garantia do proprietário manter a conservação do imóvel, bem como o pagamento de taxas urbanísticas e IMI a expensas do morador e a possibilidade de o morador dispor de um imóvel, o qual eventualmente não podia adquirir por um período vitalício tendo sempre a possibilidade de a ele renunciar.
Frise-se que para os credores hipotecários o presente regime poder-se-á apresentar como igualmente benéfico uma vez que em caso de incumprimento contratual e no âmbito da ação executiva, o proprietário tem opção de compra deste direito utilizando o saldo da caução. Assim, pode haver uma venda mais célere.
Resta aguardar para ver as reações do mercado imobiliário a esta figura que não deixa de ser uma terceira via/tertium genus entre o arrendamento e a aquisição de propriedade.
Joana Pinto Monteiro
jpm@servulo.com
João Tomé Pilão
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