Atenção, o seu browser está desactualizado.
Para ter uma boa experiência de navegação recomendamos que utilize uma versão actualizada do Chrome, Firefox, Safari, Opera ou Internet Explorer.

O Controlo Prévio das Operações Urbanísticas nos projetos de produção de energias a partir de fontes renováveis

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 06 Mai 2024
O Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 72/2022, de 19 de outubro, sob a égide da simplificação dos procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis, veio introduzir a figura da comunicação prévia com prazo, como procedimento de controlo prévio das operações urbanísticas incluídas nos projetos destinados à produção de energias renováveis. 
 
Através da inclusão desta figura, o legislador pretendeu estabelecer um regime mais favorável do controlo prévio urbanístico da instalação de centros electroprodutores de energias renováveis, de instalações de armazenamento, de UPAC e de instalações de produção de hidrogénio por eletrólise a partir da água, ao cumprimento dos objetivos de aceleração dos projetos de energias renováveis, por comparação ao regime estabelecido no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 26 de dezembro (o “RJUE”).
 
O tratamento que tem vindo a ser dado a estas comunicações prévias tem-se revelado muitas vezes desconforme com o regime especial de controlo prévio decorrente do referido diploma, seja por desconhecimento do mesmo seja por  errada interpretação e aplicação das disposições contidas no artigo 4.º-A que regula a tramitação da comunicação prévia.
 
No presente artigo fazemos uma análise breve das principais especificidades do regime de controlo urbanístico instituído pela referida norma. Vejamos.
 
I. Saneamento do pedido

Desde logo, no que especificamente respeita ao saneamento do pedido, de acordo com o n.º 4 do artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril: 

  1. A comunicação prévia poderá ser liminarmente rejeitada com base em falta de elementos instrutórios quando os mesmos sejam legalmente exigidos, sendo que tal rejeição liminar apenas poderá ocorrer no prazo de oito dias a contar da apresentação da comunicação prévia.
  2. A falta de elementos instrutórios legalmente exigíveis relacionados com a identificação do requerente, pedido, localização da operação urbanística a realizar, parecer, autorização, licença ou registo legalmente exigido, que seja indispensável ao conhecimento da pretensão e cuja falta não possa ser oficiosamente suprida, dá lugar, no mesmo prazo de oito dias, à notificação do interessado para aperfeiçoar o pedido, indicando os elementos em falta ou juntando os documentos instrutórios exigíveis.
Se, esgotado o prazo legalmente previsto para aperfeiçoar ou para rejeitar liminarmente uma comunicação prévia, a Câmara Municipal (1) não tiver suprido oficiosamente a falta de elementos instrutórios que poderia oficiosamente suprir, e (2) não tiver notificado o interessado por aperfeiçoamento da comunicação prévia, presumir-se-á que o requerimento se encontra corretamente instruído, conforme decorre do n.º 5 do artigo 11.º do RJUE.
 
Encontrando-se o pedido corretamente instruído, a Câmara Municipal não poderá suscitar questões relativas ao saneamento do pedido, nem tampouco proceder posteriormente à rejeição liminar com fundamento na falta ou deficiência de elementos instrutórios.
 
Note-se que, em qualquer caso, a Câmara Municipal não pode rejeitar liminarmente o pedido com base nas questões instrutórias invocadas sem antes as suprir oficiosamente, nem sem antes notificar o requerente para, relativamente às questões instrutórias que não sejam suscetíveis de ser oficiosamente supridas, aperfeiçoar o requerimento de Comunicação Prévia.
 
II. A necessidade de rejeição expressa da Comunicação Prévia

Por outro lado, o regime da comunicação prévia com prazo introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril, também difere no que concerne à consagração da possibilidade da sua rejeição expressa. 
 
De acordo com o artigo 4.º-A, n.º 5 do diploma vindo de referir, perante a ausência de um despacho de aperfeiçoamento ou de rejeição liminar no prazo legalmente previsto, a comunicação prévia poderá, ainda assim, ser rejeitada no prazo de 30 dias, contados a partir da data de apresentação do pedido. Note-se que esta rejeição apenas poderá ter por fundamento as questões referentes à conformidade do projeto com as normas urbanísticas aplicáveis.  
 
Esta necessidade de a decisão de rejeição dever ser expressa é clara, pois, por regra, o procedimento de comunicação prévia não exige uma decisão da Administração, permitindo que o interessado desenvolva a atividade pretendida após o decurso do prazo para a Administração a “rejeitar”. Antes este “desloca” a responsabilidade do procedimento para o particular. Assim, a falta de decisão ou a decisão fora do prazo de 30 dias não poderá ser tratada nos mesmos termos que a falta de decisão ou decisão fora do prazo num procedimento de licenciamento em que se poderá formar um ato tácito caso não haja decisão no prazo previsto na lei, mas sim como um modo de incumbir o particular do reforço do cumprimento nas normas legais e regulamentares aplicáveis à operação urbanística em causa. 
 
Deste modo, se, nos prazos previstos na lei, não for emitida uma decisão final de rejeição expressa, nos termos do n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, constituir-se-á o direito do interessado a executar a operação urbanística a que se refere a comunicação prévia. 
 
Note-se que, ao contrário do que tem a vindo a suceder em alguns procedimentos de comunicação prévia com prazo apresentados neste contexto, a lei não permite que posteriormente ao decurso do prazo para rejeição, a Câmara venha pôr em causa o direito urbanístico à execução do projeto através de uma alegada revogação de ato tácito de aceitação da comunicação prévia. Com efeito, a não rejeição no prazo não corresponde, neste caso, juridicamente a um ato tácito (deferimento tácito ou aceitação tácita), ao contrário do que vem sendo defendido por alguns municípios. 
Tal decorre expressamente do n.º 3 do artigo 134.º do Código do Procedimento Administrativo segundo o qual “Nas situações de comunicação prévia com prazo, a ausência de pronúncia do órgão competente não dá origem a um ato de deferimento tácito, mas habilita o interessado a desenvolver a atividade pretendida (…)”.
 
Assim, não se pronunciado a administração quanto à pretensão do particular no prazo legalmente previsto para o efeito através de um ato expresso de rejeição, fica-lhe vedada a possibilidade de se opor àquela pretensão através da revogação (revogação de deferimento ou aceitação tácitos), uma vez que é impossível juridicamente anular um ato administrativo que não existe na ordem jurídica. 
 
III. Controlo sucessivo das operações urbanísticas 
 
Também em matéria de fiscalização/controlo sucessivos destas operações urbanísticas, a aplicação do artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 30-A/2024 tem vindo revelar-se eivada de ilegalidades. É que, após o decurso do prazo de 30 dias para a emissão da rejeição expressa, o direito de iniciar a operação urbanística em questão não pode, em qualquer caso, por atos jurídicos ou materiais (ainda que fundamentados na ilegalidade da operação urbanística), ser posto em crise pela Câmara Municipal, conforme decorre das disposições conjugadas dos n.ºs 9 e 10 do mesmo artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril.
 
Com efeito, ao contrário do regime geral das comunicações prévias previsto no Código do Procedimento Administrativo e, ainda, do regime das comunicações prévias previsto no artigo 35.º do RJUE -  segundo os quais, de um modo geral, a Administração poderá exercer os poderes de controlo de legalidade na fase pós-procedimental, aquando do exercício da atividade pretendida- , para o concreto tipo de operações urbanísticas destinadas à instalação de centros electroprodutores de energias renováveis, o Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril, afasta expressamente os poderes de controlo sucessivo da Administração.
 
O regime é, em nosso entender, muito claro: após o decurso dos prazos previstos na lei o Município está impedido de, mesmo em  fiscalização sucessiva, inviabilizar a execução das operações urbanísticas objeto de comunicação prévia ou de promover as medidas com vista à reposição da legalidade urbanística, mesmo quando verifique que não foram cumpridas as normas e condicionantes legais e regulamentares, ou que estas não tenham sido precedidas de pronúncia, obrigatória nos termos da lei, das entidades externas competentes, ou que com ela não se conformem.
 
Significa, portanto, que não tendo a comunicação prévia relativa à instalação de centros electroprodutores de energias renováveis sido alvo de uma rejeição expressa, mesmo que o projeto nela constante contenda com as regras legais e regulamentares aplicáveis, a operação urbanística em causa não poderá ser afetada por qualquer medida de reposição da legalidade urbanística (v.g., no limite, demolida).  
 
A única possibilidade de exercício de poderes de controlo sucessivo dos Municípios neste âmbito que o legislador manteve reporta-se à fiscalização da conformidade da obra com o teor da comunicação prévia. 
 
Em suma, ao contrário do que tem vindo a ser o entendimento e a prática de alguns municípios, no regime especial de controlo prévio urbanístico dos projetos de produção de energias renováveis, instituído pelo artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, a ausência de rejeição expressa no prazo de 30 dias previsto na lei, constitui na esfera jurídica do promotor o direito a executar a operação urbanística, podendo iniciar a obra assim que se mostrem pagas as devidas taxas urbanísticas. Constituído o direito este consolida-se na ordem jurídica, não podendo ser posto em causa por atos materiais ou jurídicos que o inviabilizem, conforme decorre do disposto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril que expressamente afasta os poderes de fiscalização sucessiva previstos no artigo 35.º do RJUE.
 
Admitimos que a norma seja inovadora e que a sua redação não seja a mais feliz mas preocupa-nos a prática que se está a instalar nestes procedimentos, de prolação de rejeições expressas fora do prazo com base no entendimento que se trata da revogação de um ato tácito, prática que em nossa opinião não tem suporte legal e que pode pôr em causa o cumprimento dos objetivos europeus de aceleração dos projetos de energias renováveis. Esperamos que estes mal entendidos sobre o regime jurídico não tragam num futuro próximo uma litigância entre os promotores e os municípios, a qual, atenta morosidade da justiça administrativa em Portugal, pode efetivamente prejudicar os objetivos e metas a que Portugal se propôs neste domínio.
 
Filipa Névoa | fne@servulo.com
Sara Teixeira Pinto | svi@servulo.com
Advogados Relacionados
Sara Teixeira Pinto Filipa Névoa