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Novo Código Penal Angolano

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 27 Nov 2020

A propósito da responsabilidade criminal das empresas e restantes pessoas coletivas 

No passado dia 11 de Novembro, foram publicadas no Diário da República, Órgão Oficial da República de Angola, as Leis n.ºs 38/20 e 39/20, daquela data, que aprovaram o novo Código Penal e o novo Código de Processo Penal Angolanos, respetivamente. As duas leis entram em vigor noventa (90) dias após a data da sua publicação. Com a aprovação do novo Código Penal Angolano ocorreu, do mesmo passo, a revogação do Código Penal de 1886, enquanto a aprovação do novo Código de Processo Penal implicou a revogação do Código de Processo Penal de 1929, ainda vigentes.

Muito haverá a analisar e debater a propósito destes dois códigos e das soluções que preconizam relativamente a inúmeras problemáticas. Mas hoje ficamo-nos pelo artigo 9.º do novo Código Penal Angolano, cuja epígrafe remete para a “Responsabilidade penal das pessoas colectivas”. Mais precisamente, detemo-nos no seu n.º 1 que dispõe: “As pessoas colectivas, com excepção do Estado e das organizações internacionais de direito público, são susceptíveis de responsabilidade criminal.” Os restantes números do artigo 9.º darão também muita matéria de reflexão, mas hoje chega-nos o seu n.º 1.

Significa que o novo Código Penal Angolano prevê a responsabilidade criminal de entidades coletivas, em especial das empresas, sem especificar os crimes pelos quais podem ser responsabilizadas, como aliás sucede em diversos países europeus. A previsão desta responsabilidade e os termos em que essa responsabilidade está prevista não podem deixar de interessar vivamente as empresas que operam em Angola.

Ao contrário do que se passa no artigo 11.º, n.º 2, do Código Penal Português, em que a responsabilidade das pessoas coletivas está sujeita ao princípio da especialidade, enumerando os crimes pelos quais as pessoas coletivas podem ser responsabilizadas, o novo Código Penal Angolano prevê que essa responsabilidade pode ser imputada – ao menos teoricamente – pela prática de qualquer dos crimes tipificados na Parte Especial deste diploma. A começar naturalmente pelos crimes contra a vida, ou seja, pelos homicídios, sendo tipificados, para além do crime de homicídio simples (artigo 147.º), três tipos de crime de homicídio qualificado, em razão dos meios (artigo 148.º), em razão dos motivos (artigo 149.º) e em razão da qualidade da vítima (artigo 150.º), um tipo de crime de homicídio privilegiado, o infanticídio (artigo 151.º), e um crime de homicídio negligente (artigo 152.º).

Aparentemente, todas as infrações previstas na Parte Especial do Código podem ser cometidas, quer por pessoas singulares, quer por pessoas coletivas, considerando-se como tal também as meras associações de facto (artigo 9.º, n.º 4). O que está longe de significar que uma pessoa coletiva possa ser responsabilizada por qualquer crime cometido no seu âmbito, entenda-se.

De todo o modo, a previsão do n.º 1 do artigo 9.º do Código Penal Angolano abre o caminho à responsabilidade criminal de entidades coletivas de uma forma de tal modo ampla que só por interpretação da lei é possível desenvolver critérios que permitam concluir com segurança pela exclusão da punibilidade das pessoas coletivas por certos crimes, como sucede, por exemplo, no caso do crime de casamento fraudulento, previsto no artigo 238.º! Neste tipo de crimes, é bom de ver que os destinatários da norma que permitem traçar o círculo de autoria não abrange as pessoas coletivas. Porém, nem sempre a situação será tão clara, sendo fácil de antever grandes dificuldades de delimitação relativamente a um elevado número de tipos de crime previstos na Parte Especial deste novo Código Penal.

É, pois, com redobrada atenção que se deverá encarar a aplicação do artigo 9.º do Código Penal Angolano e a responsabilidade criminal das empresas e das restantes pessoas coletivas ali consagrada.

Teresa Serra | ts@servulo.com

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