Nova versão do Código de Governo das Sociedades do IPCG
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 02 Mai 2023
O Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) publicou, no passado dia 31 de março de 2023, uma nova versão do Código de Governo das Sociedades (o “Código do IPCG”).
O Código do IPCG entrou em vigor em 2018, tendo sido revisto, pela primeira vez, em 2020.
A revisão agora efetuada teve como propósito estabilizar e estruturar os avanços conseguidos através das boas práticas implementadas ao longo dos mais de quatro anos de vigência do Código, assim como “promover as atualizações necessárias, em linha com as melhores práticas internacionais”,originando, assim, importantes novidades para o mercado, com reconhecido enfoque em matérias de sustentabilidade e utilização de mecanismos de inteligência artificial.
Com esta revisão, o Código do IPCG fica agora dividido em 8 capítulos (ao invés dos 7 capítulos que constavam da versão anterior), os quais se mantêm organizados em princípios [1] e recomendações e que são os seguintes:
- Relação da sociedade com acionistas, partes interessadas e a comunidade em geral;
- Composição e funcionamento dos órgãos da sociedade;
- Acionistas e Assembleia Geral;
- Administração;
- Fiscalização;
- Avaliação de desempenho, remunerações e nomeações;
- Controlo interno;
- Informação e revisão legal de contas.
Sem pretensão de exaustividade, destacamos algumas daquelas que foram as principais modificações operadas por esta revisão do Código do IPCG.
A. Sustentabilidade
Na medida em que os imperativos de sustentabilidade impõem, cada vez mais, às sociedades comerciais, a consideração de outros interesses e prossecução de outros objetivos, além da finalidade lucrativa, foi incluído um novo capítulo – o capítulo I – onde se aborda a temática da sustentabilidade, com expressão, também, no capítulo VII, e no capítulo VIII.
Por conseguinte, este novo Capítulo I intitulado “Relação da sociedade com acionistas, partes interessadas e a comunidade em geral” pretende garantir a proteção do bem-estar das gerações presentes e futuras, a par com o objetivo de geração de lucro para os acionistas, através dos modelos de governação das empresas que ponderem os interesses dos acionistas e restantes investidores, trabalhadores, fornecedores e outras partes interessadas na atividade da sociedade.[2]
Ademais, prevê-se, agora, que as sociedades cotadas deverão, na sua organização, no seu funcionamento e na definição da sua estratégia, contribuir para a prossecução de objetivos de desenvolvimento sustentável[3], e, bem assim, que identifiquem, meçam e procurem prevenir os efeitos negativos relacionados com o impacto ambiental e social decorrente do exercício da sua atividade[4].
Já, no Capítulo VII, dedicado ao “Controlo Interno”, recomenda-se que as sociedades “institu[am] processos para coligir e processar dados relacionados com a sustentabilidade ambiental e social, para alertar o órgão de administração acerca dos riscos em que a sociedade esteja a incorrer e propor estratégias para a sua mitigação.”[5]e que informem “sobre o modo como as alterações climáticas são consideradas na organização e sobre a forma como pondera[m], nos processos de decisão, a análise do risco climático”[6].
Para além disso, as preocupações sociais ficam, também, assinaladas no subcapítulo da “Diversidade na composição e funcionamento dos órgãos da sociedade”. Nesta sede, prevê-se que a igualdade entre homens e mulheres receba “particular atenção[7]”, estabelecendo-se condições que a promovam.
B. Remuneração de administradores cessantes
Quanto a esta temática, é de referir que foi eliminada a recomendação segundo a qual a sociedade (i.e. a comissão de remunerações ou assembleia geral, sob proposta daquela comissão) tinha o dever de aprovar o “montante máximo de todas as compensações a pagar ao membro de qualquer órgão ou comissão da sociedade em virtude da respetiva cessação de funções[8]”, mantendo-se apenas a recomendação, que aconselha à divulgação da cessação de funções dos membros de órgãos ou comissões da sociedade indicando “os montantes de todos os encargos da sociedade relacionados com a cessação de funções”[9].
Esta indicação, porém, encontra-se já coberta pelo relatório sobre remunerações previsto no art. 26.º-G do Código dos Valores Mobiliários.
C. Voto plural
Com o intuito de adequar o quadro recomendatório com o regime legal introduzido no art. 21.º-D do Código dos Valores Mobiliários, a revisão do Código do IPCG introduziu uma recomendação em matéria de voto plural.
Agora, as sociedades que tenham “emitido ações com direito especial ao voto plural identifica[m], no relatório de governo, as matérias que, por previsão dos estatutos da sociedade, estão excluídas do âmbito do voto plural”[10].
D. Comunicação de irregularidades
Esta revisão do Código do IPCG reforça, também, a recomendação em matéria de comunicação de irregularidades (whistleblowing) prevendo-se a necessidade de criar um canal de denúncias interno que inclua o acesso a trabalhadores, explicitando-se os procedimentos e regras a serem seguidas perante cada comunicação[11].
E. Transações com partes relacionadas
Em matéria de transações com partes relacionadas foi eliminada a recomendação que ditava que “o órgão de administração deve[ria] comunicar ao órgão de fiscalização os resultados do procedimento interno de verificação das transações com partes relacionadas, incluindo as transações objeto de análise, com periodicidade pelo menos semestral.”[12], mantendo-se apenas o dever de divulgar, no relatório de governo ou por outra via publicamente disponível, o procedimento interno de verificação dessas transações[13].
F. Inteligência artificial
Como adicional novidade, a nova versão do Código do IPCG apresentou, pela primeira vez, uma preocupação relativamente à utilização de inteligência artificial como instrumento de tomada de decisões pelos órgãos sociais, recomendando que a sociedade informe, no relatório de governo, sobre os termos em que tais mecanismos sejam utilizados[14].
Como é timbre neste Código, o acolhimento das recomendações encontra-se sujeito ao princípio comply or explain. A nova versão do Código do IPCG, tendo em vista o seu bom acolhimento, será aplicável a partir do exercício de monitorização que terá lugar em 2024 e que incidirá sobre os relatórios de governo relativos ao ano de 2023.
Catarina Mira Lança | cml@servulo.com
[1] Os princípios são agora identificados por uma letra, antecedida pelo número do capítulo em que o princípio se insere em numeração romana e pelo número do subcapítulo em numeração árabe, quando seja o caso.
[2] Cf. Princípio I.C. do Código do IPCG.
[3] Cf. Princípio I.A. do Código do IPCG.
[4] Cf. Princípio I.A. do Código do IPCG.
[5] Cf. Recomendação VII.7. do Código do IPCG.
[6] Cf. Recomendação VII.8. do Código do IPCG.
[7] Cf. Recomendação II.2.1. do Código do IPCG.
[8] Cf. Recomendação V.2.3. do Código do IPCG revisto em 2020.
[9] Cf. Recomendação V.2.3. do Código do IPCG.
[10] Cf. Recomendação III.2. do Código do IPCG.
[11] Cf. Recomendação II.2.4. do Código do IPCG.
[12] Cf. Recomendação I.5.2. do Código do IPCG revisto em 2020.
[13] Cf. Recomendação II.5.1. do Código do IPCG.
[14] Cf. Recomendação VII.9. do Código do IPCG.