Medidas fiscais de combate ao desperdício alimentar
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 22 Fev 2023
O não aproveitamento de bens alimentares que podem ainda ser consumidos tem um forte impacto ambiental. A adoção de medidas de combate ao desperdício alimentar reduz este impacto, permite a otimização de recursos e a construção de uma economia circular.
Por este motivo, as Nações Unidas, no quadro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definiram como objetivo para 2030 a redução para metade do desperdício de alimentos per capita a nível mundial, de retalho e do consumidor e, a redução do desperdício de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento.
A nível nacional a promoção da redução do desperdício de alimentos foi reconhecida como prioridade conforme revelado pela aprovação do Plano de Ação de Combate ao Desperdício Alimentar, onde se destaca a necessidade de facilitar e incentivar o regime de doação de géneros alimentícios.
Foi neste contexto aprovado o Regime jurídico aplicável à doação de géneros alimentícios para fins de solidariedade social e medidas tendentes ao combate ao desperdício alimentar. E, foi, também, fixado no Regime Geral de Gestão de Resíduos, que a partir de 1 de janeiro de 2024, é proibido às empresas do retalho alimentar, à indústria de produção de alimentos, ao comércio por grosso de alimentos e aos estabelecimentos de restauração o descarte de alimentos que ainda possam ser consumidos, sempre que existam formas seguras de escoamento. Para esse efeito prevê-se que as entidades possam estabelecer acordos de doação de alimentos, designadamente com instituições de solidariedade social.
O Estatuto dos Benefícios Fiscais prevê, no artigo 62.º, que os donativos efetuados, por empresas a certo tipo de entidades especificamente previstas, entre as quais as instituições particulares de solidariedade social, são considerados como custos ou perdas do exercício para efeitos da determinação do lucro tributável, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
Salvo exceções, como é o caso, por exemplo, dos donativos ao Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais em que os donativos são considerados custos ou perdas do exercício na sua totalidade, em regra, os donativos são considerados custos ou perdas do exercício, até um determinado limite do volume de vendas ou dos serviços prestados, em função da natureza da entidade beneficiária. A majoração dos donativos atribuídos é definida, por sua vez, em regra, em função do tipo de atividades a ser desenvolvido pelas entidades beneficiárias e varia entre os 120% e os 150% do respetivo total.
A título de exemplo, os donativos a instituições particulares de solidariedade social são considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 8/1000 do volume de vendas ou dos serviços prestados, em valor correspondente a 140% do respetivo total quando se destinem à promoção de iniciativas dirigidas à criação de oportunidades de trabalho e de reinserção social de pessoas, famílias ou grupos em situações de exclusão ou risco de exclusão social, designadamente no âmbito do rendimento social de inserção, de programas de luta contra a pobreza ou de programas e medidas adotadas no contexto do mercado social de emprego.
No caso de donativos de bens alimentares, o valor a considerar, para efeitos do cálculo da dedução ao lucro tributável, é o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados, deduzido, quando for caso disso, das depreciações ou provisões efetivamente praticadas e aceites como custo fiscal ao abrigo da legislação aplicável.
Neste contexto, a Autoridade Tributária e Aduaneira já se pronunciou no sentido de que o “valor fiscal” dos bens doados, no que respeita especificamente às refeições alimentares, deve ser calculado com base no “valor fiscal dos bens alimentares que compõem a refeição, acrescidos dos custos associados à sua confeção.” (cf. PIV n.º 18033, processo n.º 3258/2020, com Despacho da Diretora de Serviços do IRC, de 2021-02- 25).
Mais se esclareceu que o valor fiscal corresponde ao preço de custo, para o doador, das refeições e não ao preço de venda constante das cartas de menu, dos contratos de catering ou de quaisquer outros documentos onde conste o preço das refeições, genericamente praticado pelo prestador de serviços de restauração.
No âmbito do IVA são isentas de imposto as transmissões de bens a título gratuito, para posterior distribuição a pessoas carenciadas, efetuadas ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não-governamentais sem fins lucrativos, mantendo-se o direito à dedução.
Em suma, têm vindo a ser adotadas um conjunto de medidas de natureza fiscal e não fiscal que visam o efetivo combate ao desperdício alimentar.
Ana Moutinho Nascimento | amn@servulo.com
Beatriz Ferreira Faria | bff@servulo.com