Mais Habitação – Arrendamento: principais alterações com impacto para os investidores
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 06 Out 2023
A Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro de 2023 – Programa Mais Habitação – foi publicada, hoje, em Diário da República, após promulgação do Presidente da República (doravante o “Programa”). Neste Update, resumem-se as principais alterações trazidas por este Programa, destacando as seguintes medidas em matéria de arrendamento, «com o objetivo de garantir mais habitação»:
Novos contratos de arrendamento para fins habitacionais: limitação da renda inicial
Até 31 de dezembro de 2029, a renda inicial dos novos contratos de arrendamento para fins habitacionais que incidam sobre imóveis relativamente aos quais tenham vigorado contratos de arrendamento, celebrados nos últimos cinco anos, não pode exceder o valor da última renda praticada sobre o mesmo imóvel, por referência ao contrato anterior, acrescido do coeficiente de 1,02. Assim, a renda inicial dos novos contratos não poderá exceder 2% relativamente à renda anterior, condicionando a negociação do valor das rendas. Esta limitação aplica-se aos novos contratos que excedam os limites gerais de preço de renda por tipologia previstos no Programa de Arrendamento Acessível (Decreto-lei n.º 68/2019 e Portaria n.º 176/2019).
No entanto, é admissível ocorrer aumentos de renda superiores a 2%:
1. Quando o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tenha sofrido as atualizações legalmente permitidas, ao valor da renda inicial podem ser aplicados os coeficientes anuais de atualização dos três anos anteriores. Neste caso, o coeficiente de atualização a considerar para o ano de 2023 é de 1,0543 – ou seja, um aumento equivalente a 5,43%.
2. Quando o imóvel tenha sofrido obras de remodelação ou restauros profundos, devidamente atestados pela Câmara Municipal, pode acrescer à renda inicial do novo contrato de arrendamento o valor relativo às despesas suportadas pelo senhorio, até ao limite anual de 15%.
Os coeficientes de atualização previstos para estas exceções só podem, no entanto, ser aplicados uma vez em cada ano civil.
Contratos de arrendamento anteriores a 1990: intransponibilidade para Novo Regime do Arrendamento Urbano (o “NRAU”)
Os senhorios perdem definitivamente a possibilidade de fazer transitar para o NRAU os contratos de arrendamento habitacionais anteriores a 1990, abrangidos pelos artigos 35.º e 36.º do NRAU, conforme a nova redação oferecida pelo Programa, que não tenham ainda transitado para o mesmo. Em contrapartida, procede-se à definição das medidas fiscais de compensação, a aplicar a partir de 2024, incluindo isenção de IRS e de IMI, bem como à definição dos montantes e dos limites da compensação a atribuir ao senhorio e da renda a definir para o arrendatário.
Arrendamento forçado
É aditado ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (o “RJUE”) o artigo 108.º-C, nos termos do qual se estabelece o arrendamento forçado de habitações devolutas. Este regime incide sobre (i) frações autónomas de uso habitacional e (ii) partes de prédio urbano suscetíveis de utilização independente de uso habitacional, localizadas fora dos territórios do interior (cfr. Anexo Portaria n.º 208/2017) devendo, igualmente, estar classificadas como devolutas, nos termos do Decreto-Lei n.º 159/2006, há mais de dois anos.
De forma a efetivar esta medida, o Programa prevê um novo dever de comunicação para as empresas de telecomunicações e distribuidoras de gás, eletricidade e água. Estas passam a enviar obrigatoriamente aos Municípios, até ao dia 01 de outubro de cada ano, uma lista atualizada da ausência de contratos de fornecimento ou de consumos ou de consumos baixos, por cada prédio urbano ou fração autónoma, incluindo a identificação matricial de cada prédio.
Decorridos dois anos desde a classificação, o município remete ao proprietário do prédio devoluto:
- Notificação do dever de executar obras de conservação. Feita a notificação e sem que as mesmas sejam realizadas, o Município pode promover a execução das obras necessárias, em caso de incumprimento; ou
- Notificação do dever de dar uso à fração autónoma e, querendo, apresentar-lhe uma proposta de arrendamento, conquanto a renda não exceda em 30% os limites gerais de preço de renda dispostos no Programa de Arrendamento Acessível (Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio). Se o proprietário recusar a proposta ou não se pronunciar no prazo de 90 dias e mantendo-se o imóvel devoluto, o Município pode, excecional e supletivamente, proceder ao arrendamento forçado, sempre que se revele necessário «para garantir a função social da habitação».
Não pretendendo o Município proceder ao arrendamento e caso o imóvel não careça de obras de conservação, deve este remeter a informação sobre o imóvel ao IHRU, I.P., para que este, se o pretende, possa notificar o proprietário nos termos do dever de dar uso e proceder ao arrendamento forçado, nos mesmos termos que o Município.
Apoio à Promoção de habitação para arrendamento acessível
Além dos incentivos previstos na legislação fiscal para o apoio ao arrendamento, este apoio concretiza-se numa linha de financiamento e na cedência de terrenos e edifícios públicos.
A linha de financiamento destina-se a projetos na área da habitação acessível, como construção ou reabilitação e aquisição de imóveis para posterior arrendamento. Admite-se igualmente o arrendamento a entidades públicas para subsequente subarrendamento. As habitações construídas com este financiamento ficam afetas ao regime do arrendamento acessível por um período de vinte e cinco anos e estão sujeitas aos parâmetros e valores em vigor para a habitação de custos controlados, nomeadamente quanto ao custo de promoção por metro quadrado.
Quanto à cedência de terrenos e edifícios públicos, o Governo identifica o património a afetar ao arrendamento acessível através da cedência do direito de superfície, pelo período máximo de noventa anos, renovável mediante acordo.
Decorridos os prazos de arrendamento, e em caso de venda, os municípios e o IHRU I.P. têm direito de preferência na aquisição destes (por valor calculado de acordo com a legislação aplicável à promoção de habitações a custos controlados).
Os contratos de arrendamento celebrados pelos beneficiários deste apoio estão sujeitos aos limites do preço de renda previstos Programa de Arrendamento Acessível.
São beneficiários deste apoio:
- As cooperativas de habitação e construção, que cumpram as condições de acesso previstas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 145/97, de 11 de junho;
- As sociedades comerciais que se dediquem à construção civil, em consórcio ou sob outra forma de associação com sociedades comerciais cujo objeto social inclua o arrendamento para habitação e a gestão de património, que cumpram as condições de acesso previstas no regulamento de concessão de financiamentos a empresas privadas de construção civil para a construção de habitação de custos controlados ao abrigo de contratos de desenvolvimento para habitação, ou sociedades em cujo capital aquelas participem, bem como entidades que se dediquem à promoção e ao investimento imobiliário;
- A IHM-Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM, e a Direção Regional da Habitação dos Açores, isoladamente ou em parceria com as entidades referidas nas alíneas anteriores;
- Municípios e juntas de freguesia, isoladamente ou em parceria com as entidades supra referidas;
- Misericórdias, instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa ou de reconhecido interesse público.
Os termos e condições dos apoios são regulamentados por Portaria do membro do Governo responsável pela área da habitação, no prazo de noventa dias a contar da data de entrada em vigor da lei.
Por último, os apoios previstos para promoção do arrendamento acessível serão aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao alojamento estudantil. No entanto, a adesão a este regime encontra-se sujeita à aplicação de valores máximos de preços mensais de alojamento para estudantes, definidos em portaria pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ensino superior e da habitação.
Balcão do Arrendatário e do Senhorio
É criado o Balcão do Arrendatário e do Senhorio (“BAS”) para a assegurar, em exclusivo, a tramitação, em matéria de arrendamento, do procedimento especial de despejo e da injunção em matéria de arrendamento, com competência em todo o território nacional, substituindo o Balcão Nacional de Arrendamento (“BNA)” e o serviço de Injunção em Matéria de Arrendamento (“IMA”), agora extintos. O BAS visa simplificar e agilizar estes procedimentos, reforçando as garantias no âmbito dos arrendamentos para fins habitacionais.
A partir de 01 de janeiro de 2024, admite-se a possibilidade de, em determinadas condições, o Estado poder pagar ao senhorio as rendas de contratos de arrendamento para fins habitacionais vencidas após o termo do prazo de oposição ao procedimento, com o limite máximo total de nove vezes a Remuneração Mínima Mensal. O Estado ficará, com o pagamento, automaticamente sub-rogado nos direitos do requerente, os quais poderão ser exercidos através de execução fiscal.
Entrada em Vigor do Novo Regime
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, isto é, a 07 de outubro de 2023.
No entanto, preveem-se exceções no que concerne à entrada em vigor das alterações e aditamentos ao NRAU (exceto as alterações aos artigos 35.º, 36.º e 37.º), nomeadamente no que diz respeito ao procedimento especial de despejo, BAS e IMA. Estas produzirão efeitos 120 dias após a entrada e vigor da lei.
Inês de Mundel Calado | imc@servulo.com
Juliana Figueiredo Reis | jfr@servulo.com