Atenção, o seu browser está desactualizado.
Para ter uma boa experiência de navegação recomendamos que utilize uma versão actualizada do Chrome, Firefox, Safari, Opera ou Internet Explorer.

Limitação à prevalência do direito de retenção face à hipoteca. Decreto-lei n.º 48/2024, de 25 de julho

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 02 Ago 2024

Foi publicado, no dia 25 de julho, o Decreto-lei n.º 48/2024 (“Decreto-lei”), que veio estabelecer limitações à prevalência do direito de retenção sobre as hipotecas previamente constituídas, prevista no artigo 759.º, n.º 2, do Código Civil (“CC”), reforçando a posição dos credores hipotecários. Até à data, o direito de retenção prevalecia de forma absoluta sobre a hipoteca.

Esta alteração, realizada por imposição da União Europeia para libertação de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência [cfr. a alínea e) das metas e marcos do projeto 18.3 do investimento TD-C18-r33 do referido Plano], vem dispor sobre uma das normas mais controversas do nosso Direito Civil atual, tendo, inclusivamente, suscitado por mais de uma vez a intervenção do Tribunal Constitucional no sentido de aferir da sua inconstitucionalidade.

Com efeito, o Decreto-lei altera o n.º 1, do artigo 759.º, do CC, no sentido de, quando o direito de retenção incida sobre coisa imóvel, ”o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de, nos casos em que o crédito assegura o reembolso de despesas para a conservar ou aumentar o seu valor, ser pago com preferência aos demais credores do devedor” (sublinhado nosso).

Restringe-se, assim, a preferência no pagamento atribuída ao retentor apenas aos casos em que este incorreu em despesas de conservação ou beneficiação da coisa imóvel objeto do direito de retenção, o que justifica que o Decreto-lei venha igualmente alterar o n.º 2, do mesmo artigo 759.º, do CC, dispondo que, ”nos casos previstos na parte final do número anterior, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente”.

Nesta medida, o Decreto-lei vem recuperar a sugestão dos anteprojetos do CC, com vista a restringir a preferência do retentor em relação ao credor hipotecário prévio apenas aos casos em que este último acabaria/acabará enriquecido pelos atos de conservação e/ou melhoramentos feitos na coisa pelo retentor, ou seja, na medida em que aqueles atos aumentem o valor da coisa e, consequentemente, tenham repercussão na melhor satisfação do crédito garantido pela hipoteca em sede de processo executivo e/ou insolvência.

É de sublinhar que o Decreto-lei não introduziu qualquer ressalva a esta restrição relativamente à preferência no pagamento e à prevalência face aos credores hipotecários do retentor ”beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º” (cfr. o artigo 755.º, n.º 1, al f), do CC), nem do retentor consumidor promitente-comprador que veja o cumprimento do contrato-promessa ser recusado pelo administrador da insolvência do promitente-vendedor (cfr. os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014 e 4/2019).

Por isso, a eficácia prática desses direitos de retenção, que são os que mais relevo prático revestem, fica consideravelmente enfraquecida, somente existindo na eventualidade de se terem constituído antes da hipoteca.

No artigo 3.º do Decreto-lei em análise, determina-se que as alterações introduzidas ao artigo 759.º CC apenas se aplicam «aos direitos de retenção que sejam constituídos após a sua entrada em vigor», ou seja, e de acordo com o artigo 4.º, aqueles constituídos a partir do dia 25 de agosto de 2024.

Assim sendo, tendo por referência a hipótese paradigmática do direito de retenção do promitente-comprador (consumidor ou não), este apenas gozará de prevalência face às hipotecas constituídas previamente, se o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do promitente-vendedor ou, em caso de insolvência do promitente-vendedor, a recusa, expressa ou tácita, do administrador da insolvência em cumprir o contrato-promessa ocorra antes da data acima referida. 


Henrique Varino da Silva | hvs@servulo.com