Inducements na área seguradora
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 17 Jan 2019
O tema dos inducements constitui uma das novidades mais importantes no novo regime jurídico da distribuição de seguros, no que se refere aos produtos de investimento com base em seguros. O tema é tratado através da recente Lei n.º 7/2019 de 16 de janeiro, que transpõe entre nós a Diretiva de Distribuição de Seguros - Diretiva (UE) 2016/97 do Parlamento Europeu e do Conselho.
Genericamente, nos termos da Diretiva de Distribuição de Seguros (e do regime jurídico nacional da distribuição de seguros e resseguros), os incentivos serão admissíveis sempre que o pagamento ou o benefício: a) não tenha um efeito prejudicial na qualidade do serviço em causa para o cliente e; b) não interfira na obrigação do mediador ou da empresa de seguros de agir de forma honesta, correta e profissional, de acordo com os melhores interesses dos seus clientes.
No seguimento dos critérios gerais estabelecidos resulta da Diretiva que, sem prejuízo da possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem requisitos mais rigorosos em relação às matérias acima referidas, a Comissão fica habilitada a adotar atos delegados a fim de especificar os critérios necessários para avaliar a admissibilidade dos incentivos.
O ato em causa é o Regulamento (UE) 2017/2359 da Comissão que vem especificar, entre outras, as regras relativas aos incentivos (considerando (2)), definindo, de forma mais pormenorizada, os critérios de avaliação dos incentivos pagos ou recebidos pelos mediadores de seguros e pelas empresas de seguros. Com esse objetivo, e de modo a cumprir com os critérios adotados na Diretiva de Distribuição de Seguros, deve ser fornecida uma lista não exaustiva de critérios considerados relevantes para a apreciação de eventuais efeitos negativos na qualidade do serviço prestado ao cliente (considerando (6)).
De acordo com este Regulamento, um incentivo consiste em “qualquer remuneração, comissão ou qualquer benefício não pecuniário fornecido ou recebido por um mediador ou empresa relacionado com a distribuição de um produto de investimento com base em seguros, ou fornecido ou recebido por qualquer terceiro distinto do cliente que participe na operação em causa ou qualquer pessoa que atue em nome desse cliente”, sendo um regime de incentivos “um conjunto de regras que regem o pagamento de incentivos, incluindo as condições em que os incentivos são pagos”. Partindo destas noções, entendemos que, por maioria de razão e por motivos de coerência sistemática, a noção de incentivo deve abranger qualquer benefício e não apenas “qualquer benefício não pecuniário”.
Por fim, o mesmo Regulamento vem estabelecer o regime dos incentivos e da sua avaliação, facultando critérios que nos permitem concluir quando é que estes “prejudicam a qualidade do serviço prestado pelo cliente” incentivando a realização de atividades de distribuição de seguros de uma forma que não é consentânea com a obrigação de atuar de forma honesta, correta e profissional. Ressalvando a necessidade de realizar uma análise global que tenha em conta todos os fatores relevantes, são estabelecidos alguns critérios exemplificativos, tais como saber se os incentivos são suscetíveis de incentivar o mediador de seguros ou a empresa de seguros a propor ou a recomendar ao cliente um produto, não obstante o mediador de seguros ou a empresa de seguros poder propor um produto diferente que corresponde melhor às necessidades desse cliente (sendo que nestes casos se deve considerar que o incentivo prejudica a qualidade do serviço prestado ao cliente). Outros critérios serão por exemplo o de saber o valor do incentivo pago ou recebido em relação ao valor do produto e dos serviços prestados, ou o de saber se o incentivo é inteira ou principalmente pago no momento da celebração do contrato de seguro ou se prolonga durante a vigência do contrato.
Tendo em conta tudo o que acima foi dito, uma conclusão imediata é que o critério adotado na Diretiva de Distribuição de Seguros é diferente do adotado pela DMIF II, de onde resulta que os incentivos se devem destinar a melhorar a qualidade do serviço prestado ao cliente e não devem interferir na obrigação da empresa de investimento de agir de forma honesta, equitativa e profissional. Como tal, o critério da Diretiva de Distribuição de Seguros parece mais favorável aos mediadores e às empresas de seguros, pois mostra-se suficiente que o pagamento ou o benefício não tenha um efeito prejudicial e não interfira na obrigação do mediador ou da empresa de seguros de agir de forma honesta, ao invés de ter que se destinar a melhorar a qualidade do serviço prestado ao cliente. Numa palavra, temos uma maior abertura resultante da formulação negativa da norma.
Contudo, e tendo em conta as possíveis implicações cruzadas que este regime pode ter, a EIOPA entende que a abordagem à Diretiva de Distribuição de Seguros deve ser o mais compatível possível com a DMIF II, de modo a evitar efeitos nefastos no mercado e tendo em vista um “level playing field” entre os diferentes sectores financeiros. Na nossa opinião, também nos parece que deve ser este o caminho a seguir de modo a evitar uma assimetria, em comparação com o regime mais favorável da Diretiva de Distribuição de Seguros. De facto, a operatividade dos conceitos e a coerência do sistema a isso obrigam.
Jaime Reis