Indicadores de Suspeição de BCFT relativos a Ativos Virtuais publicados pelo FATF/GAFI
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 19 Out 2020
O Grupo de Ação Financeira (FATF/GAFI) – o organismo intergovernamental constituído com o objetivo de estabelecer políticas e padrões internacionais de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (o “BCFT”) – publicou no passado mês de setembro um relatório relativo a indicadores de suspeição em operações que envolvam ativos virtuais, o FATF Report – Virtual Assets – Red Flag Indicators of Money Laundering and Terrorist Financing (September 2020)[1].
A publicação deste documento pelo FAFT/GAFI assume especial relevo neste momento, pois a recente alteração à Lei n.º 83/2017, de 18 agosto (a “LBCFT”), promovida pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto, que, por sua vez, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da 5.ª Diretiva AML (Diretiva (UE) 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018) incluiu as Entidades que exerçam qualquer atividade com ativos virtuais no conjunto das entidades não financeiras que estão obrigadas a adotar procedimentos para prevenir o BCFT (artigo 4.º, n.º 1, alínea o) da LBCFT). Por conseguinte, estas entidades – que se encontram agora não só obrigadas a registo prévio junto do Banco de Portugal (artigo 112.º-A da LBCFT) como sujeitas à sua supervisão (artigo 89.º, n.º 1, alínea j) da LBCFT) - devem designadamente adotar as políticas e instituir os procedimentos necessários para determinar o risco do cliente (artigo 28º da LBCFT), monitorizar a relação estabelecida com este (artigo 27º da LBCFT), examinar em concreto as operações que lhe são propostas de modo a determinar o seu eventual caráter suspeito (artigo 52º da LBCFT) e, uma vez determinado o caráter suspeito, comunicar à UIF e ao DCIAP os elementos essenciais da operação que se suspeitou ou apurou estar relacionada com o BCFT (artigo 43º da LBCFT).
No documento ora em análise, o FATF/GAFI apesar de começar por referir que os ativos virtuais são suscetíveis de promover a inovação financeira e a eficiência, reconhece que os mesmos se mostram aptos a ocultar a origem ilícita de determinados proveitos e a financiar atividades terroristas à margem do sistema financeiro em função das suas características, das quais se destaca a fácil e rápida possibilidade de concluir transações transfronteiriças. Considerando que esta fluidez nas transmissões de ativos virtuais se assume como um fator que dificulta a tarefa das entidades obrigadas determinarem atempadamente o caráter suspeito da operação, o FATF/GAFI - com base em mais de cem case studies remetidos por diferentes países entre 2017 e 2020 - preparou o documento em referência que, apesar de não se assumir como um elenco exaustivo de fatores de suspeição, permite auxiliar as entidades obrigadas no cumprimento dos seus deveres preventivos. Com efeito, as entidades obrigadas podem tomar os indicadores de suspeição elencados pelo FATF/GAFI como referência principal para determinar a necessidade de proceder a verificações adicionais quanto ao cliente e à operação e para dar cumprimento ao dever de comunicação.
No que ao elenco de indicadores em concreto se refere, o FAFT/GAFI procedeu a uma arrumação destes em função de seis tipologias: i) transações; ii) padrões das transações; iii) anonimato; iv) transmitente e adquirente; e v) fonte dos fundos ou da riqueza; e vi) fatores geográficos.
Assumem especial relevo neste contexto os indicadores referentes ao anonimato, porque, como reconhece o FAFT/GAFI, a tecnologia associada aos ativos virtuais é precisamente favorecedora do anonimato. Por conseguinte, as entidades obrigadas devem considerar como fatores a ter em conta na análise das operações, por exemplo, o facto de o cliente se envolver em transações com diferentes tipos de ativos virtuais que favorecem o anonimato, ou pretender deslocar os seus ativos de uma blockchain pública e transparente para outros meios que não reúnam tais características.
Por seu turno, demonstram particular interesse os fatores de suspeição de natureza geográfica, pois neste campo dos ativos virtuais impõe-se particularmente a necessidade de atender a outras jurisdições que não aquelas que comummente são identificadas como sendo de risco. O FAFT/GAFI alerta para o facto de ter constatado, no conjunto de casos em que se baseou para a elaboração do documento em referência, que houve sujeitos que se aproveitaram das falhas existentes nos regimes preventivos de BCFT de jurisdições que não haviam ainda aplicado integralmente as recomendações do FATF/GAFI, como por exemplo a necessidade de registo ou licença para o exercício de atividades em matéria de ativos virtuais. Nestes termos, em razão da recente disseminação destas atividades e da sua recente consideração em termos de prevenção do BCFT, pode demonstrar-se como um fator de risco a existência de ligações a jurisdições que para outros efeitos não são consideradas de risco.
Nestes termos, este documento agora publicado pelo FAFT/GAFI – conjuntamente com o anteriormente publicado Guidance for a Risk-Based Approach – Virtual Assets and Virtual Asset Service Providers (june 2019)[2] - pode assumir-se como um instrumento muito útil para auxiliar as entidades obrigadas que se dediquem a atividades com ativos virtuais no cumprimento dos seus deveres em matéria de prevenção do BCFT.
José Guilherme Gomes | jgg@servulo.com