Implicações da aprovação do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas em matéria de Direito do Consumo (Parte 1): Proteção do consumidor
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 06 Abr 2021
No passado dia 29 de janeiro, foi publicado o Decreto-Lei n.º 9/2021, que aprova o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (“RJCE”). Pretende-se, com este diploma, uniformizar e simplificar os regimes contraordenacionais em matéria de acesso e exercício de atividades económicas, tendo em vista, em última ratio, a segurança e proteção dos direitos dos consumidores.
Em matéria de proteção do consumidor, a aprovação do RJCE implicou a alteração de diversos diplomas legais, salientando-se:
1. Alteração à Lei n.º 144/2015, de 8 de setembro: resolução alternativa de litígios de consumo
Por força do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, passam a constituir contraordenações económicas leves:
- O não cumprimento, por uma entidade inserida na lista de entidades de resolução alternativa de litígios, dos princípios e requisitos previstos na Lei n.º 144/2015;
- A não prestação de informação aos consumidores, por parte dos fornecedores de bens ou prestadores de serviços estabelecidos em território nacional, sobre as entidades de resolução alternativa de litígios a que se encontram vinculados e sobre o sítio eletrónico das mesmas.
Os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis a estas contraordenações são objeto de redução, podendo agora variar entre € 150,00 e € 500,00, se praticadas por pessoa singular, ou entre € 250,00 e € 12.000,00, se praticadas por pessoa coletiva.
2. Alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril: venda de bens de consumo e garantias associadas
Neste particular, passam a ser consideradas contraordenações económicas graves, puníveis com coima que pode variar entre € 650,00 e € 1.500,00, se praticadas por pessoa singular, ou entre € 1.700,00 e € 24.000,00, se praticadas por pessoa coletiva:
- A não reparação ou substituição de bem imóvel dentro de prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito e sem grave inconveniente para o consumidor;
- A não reparação ou substituição de bem móvel no prazo máximo de 30 dias, sem grave inconveniente para o consumidor;
- A não inclusão de informação obrigatória na garantia voluntária prestada pelo vendedor, produtor ou intermediário perante o consumidor.
3. Alteração ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro: contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial
Em matéria de proteção do consumidor na celebração de contratos à distância e fora do estabelecimento comercial, passam a ser consideradas contraordenações económicas muito graves, puníveis com coima que pode variar entre € 2.000,00 e € 7.500,00, se praticadas por pessoa singular, ou entre € 3.000,00 e € 90.000,00, se praticadas por pessoa coletiva:
- A não prestação de informação ao consumidor sobre o incumprimento do contrato celebrado à distância devido a indisponibilidade do bem ou serviço encomendado, no prazo de trinta dias a contar da data do conhecimento daquela indisponibilidade;
- O incumprimento da obrigação de reembolso ao consumidor dos montantes pagos, no prazo de trinta dias a contar da data do conhecimento da indisponibilidade do bem ou serviço encomendado;
- A cobrança ao consumidor de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento de bens ou prestação de serviços não solicitados pelo consumidor.
Por outro lado, passam a ser qualificados como contraordenações económicas graves, puníveis com coima que pode variar entre € 650,00 e € 1.500,00, se praticadas por pessoa singular, ou entre € 1.700,00 e € 24.000,00, se praticadas por pessoa coletiva, os seguintes comportamentos:
- O incumprimento do dever de facultar ao consumidor, em tempo útil e de forma clara e compreensível, informação pré-contratual exigida por lei;
- O incumprimento dos requisitos de forma exigidos por lei quanto aos contratos celebrados à distância e celebrados fora do estabelecimento comercial;
- A oposição injustificada ao direito de livre resolução do consumidor nos contratos celebrados à distância ou celebrados fora do estabelecimento;
- O incumprimento do dever de reembolso ao consumidor de todos os pagamentos recebidos, no prazo de 14 dias a contar da data em que foi informado do exercício do direito de livre resolução do consumidor;
- A não inclusão de informação obrigatória nos catálogos e outros suportes enviados ao consumidor;
- A não comunicação prévia à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) da realização de vendas esporádicas.
Por fim, passam ainda ser qualificadas como contraordenações económicas leves, puníveis com coima que pode variar entre € 150,00 e € 500,00, se praticadas por pessoa singular, ou entre € 250,00 e € 12.000,00, se praticadas por pessoa coletiva:
- A não prestação de informação ao consumidor, nos sítios na Internet dedicados ao comércio eletrónico, sobre a eventual existência de restrições geográficas ou outras à entrega e aos meios de pagamento aceites;
- O envio de comunicações não solicitadas através da utilização de técnicas de comunicação à distância sem consentimento prévio expresso do consumidor;
- O reembolso dos pagamentos efetuados pelo consumidor através de meio de pagamento diverso do utilizado pelo consumidor na transação inicial, sem acordo expresso em contrário;
- O incumprimento do dever de dar cumprimento à encomenda no prazo máximo de 30 dias, a contar do dia seguinte à celebração do contrato à distância;
- A não elaboração e atualização de relação de colaboradores de serviços de distribuição comercial ao domicílio que apresentam propostas, preparam ou concluam contratos no domicílio do consumidor, em nome do fornecedor de bens ou prestador de serviços;
- A utilização de equipamento destinado à venda automática de bens e serviços que não permita a recuperação da importância recebida em caso de não fornecimento do bem ou serviço, ou em que não estejam afixadas, de forma clara e legível, as informações legalmente obrigatórias.
Além da aplicação das respetivas coimas, a prática das contraordenações identificadas pode ainda ser punida com a aplicação das sanções acessórias previstas no RJCE, destacando-se a possibilidade de privação do direito a benefícios fiscais, benefícios de crédito e linhas de financiamento de crédito, pelo prazo máximo de dois anos, e a publicidade da condenação.
Em suma: as empresas devem estar atentas a este novo regime contraordenacional, que reclassifica contraordenações já previstas e puníveis em matéria de proteção do consumidor, definindo novos limites mínimos e máximos das coimas respetivamente aplicáveis.
As alterações supra elencadas entram em vigor no dia 28 de julho de 2021 e aplicam-se aos processos de contraordenação pendentes a essa data, desde que o novo regime, em concreto, seja mais favorável ao arguido.
Alexandra Valpaços | ava@servulo.com
Maria Novo Baptista | mnb@servulo.com