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Finalmente, o mercado voluntário de carbono – Decreto-Lei n.º 4/2024

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 18 Jan 2024

Já está em vigor o Decreto-Lei n.º 4/2024, de 5 de janeiro, que institui o mercado voluntário de carbono e estabelece as regras para o seu funcionamento. O texto final aprovado introduz algumas alterações face ao projeto de Decreto-Lei submetido a consulta pública em 2023, que contou com a recolha e ponderação de 85 contributos, cujo conteúdo foi analisado no anterior legal update da SÉRVULOo mercado voluntário português de carbono em consulta pública”.

Nos parágrafos seguintes, encontram-se enumeradas as principais alterações face ao texto inicialmente submetido a consulta pública.

a) Aumento de créditos de carbono futuros – 10% para 20 %

Um dos grandes desafios que se coloca ao mercado voluntário de carbono português relaciona-se com a necessidade de atrair novos promotores, através da criação de condições financeiras favoráveis para o desenvolvimento de novos projetos. Um desses desafios, tal como já analisado noutro âmbito, pode justamente ser ultrapassado com um aumento da emissão de créditos de carbono futuros, ou seja, os créditos de carbono emitidos previamente à redução de emissões de GEE ou sequestro de carbono.

Sensível a estas preocupações, o legislador elevou a percentagem de créditos de carbono futuros para um montante “que não exceda os 20 % dos créditos totais de carbono previsto para o período de duração do projeto” (artigo 14.º, n.º 2).

b) Agravamento das consequências por “reversões intencionais”

Na versão submetida a consulta pública, quando existisse uma reversão intencional das emissões – imputadas diretamente ao promotor – o promotor do projeto ficava responsável por repor, no prazo de um ano, “um número de créditos de carbono equivalente ao volume de emissões revertidas e proceder ao seu cancelamento, ou submeter um ou mais projetos de sequestro de carbono, aos quais são descontados e cancelados os créditos por si gerados”.

Com o texto final aprovado prevê-se que, no caso de uma reversão intencional, “o promotor cancela os créditos emitidos pelo projeto, no montante equivalente ao dobro da reversão ocorrida” (artigo 21.º, n.º 6) e não simplesmente em montante equivalente. Por outro lado, embora se tenha eliminado expressamente a referência à possibilidade de uma compensação direta através de créditos de carbono emitidos pela submissão de outros projetos de sequestro de carbono, não parece que um promotor fique vedado de o fazer, desde que o consiga fazer “no prazo máximo de um ano”.

Outra novidade relacionada com este tema prende-se com a “possibilidade” (não é obrigatório) de o promotor recorrer a um seguro de cobertura de eventuais situações de reversão de emissões sequestradas, sendo as condições e capitais mínimos definidos por portaria a aprovar (artigo 21.º, n.º 4).

c) O reforço da “bolsa de garantia”

A regulamentação da “bolsa de garantia” (denominada em mercados análogos internacionais de “buffer pool”) também sofreu significativas alterações no texto aprovado.

Tal como se previa no projeto submetido a consulta pública, a bolsa de garantia, destinada a salvaguardar as situações de reversão “não intencional”, era constituída por 20 % dos CCV emitidos pelos projetos de sequestro de carbono. Caso esta bolsa não dispusesse de créditos de carbono suficientes, previa-se ainda a possibilidade de o Fundo Ambiental adquirir créditos de carbono.

Agora, o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 4/2024, introduz significativas alterações neste tema:

(i) Em primeiro lugar, o promotor deixa de estar obrigado a contribuir para a bolsa de garantia, podendo apenas recorrer a um seguro próprio;

(ii) Depois, a bolsa de garantia é constituída por 20 % de CCV e, simultaneamente, por CCF, em ordem a ultrapassar uma situação de “vazio” enquanto não fossem emitidos os CCV;

(iii) Ao invés do Fundo Ambiental, a insuficiência da bolsa de garantia passa a ser suprida pelos promotores que devem repor o número de créditos de carbono em falta ou submeter novos projetos para compensar;

(iv) O promotor é “premiado” pela não reversão de emissões (intencional ou não intencional), sendo-lhe devolvidos até 30 %/40 % dos créditos que tenha encaminhado para a bolsa de garantia. 

d) A inclusão dos ecossistemas costeiros e marinhos nos projetos de sequestro de carbono

Num país com um dos maiores espaços marítimos da União Europeia e, simultaneamente, uma zona costeira privilegiada para o Atlântico, percebe-se que o legislador venha agora prever como finalidade deste mercado a “proteção do estado do ambiente marinho e costeiro e o desenvolvimento de uma economia azul sustentável” (artigo 2.º, n.º 2, alínea d), ponto vi)) e, simultaneamente, a previsão de projetos de sequestro azul, cujas  metodologias serão aprovadas pela APA, em articulação com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, e a Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (artigo 10.º, n.º 5).

Ainda assim, mantêm-se prioritários os projetos de sequestro florestal de carbono nos territórios vulneráveis identificados na Portaria 301/2020, de 24 de dezembro, nas áreas florestais ardidas ou noutras que careçam de intervenção (artigo 7.º, n.os 1 a 3), beneficiando da isenção do pagamento de taxas previstas no presente decreto-lei (artigo 7.º, n.º 6).

e) A promoção de projetos de demonstração por entidades privadas

De acordo com regime jurídico em análise, a APA deve incentivar projetos de demonstração que “podem ser promovidos por qualquer entidade pública ou privada” em articulação com a APA, ICNF (projetos na área de sequestro florestal) ou DGRM (projetos na área de sequestro carbono azul) (artigo 25.º, n.º 2). Desta forma, ao permitir a promoção destes projetos de demonstração por entidades privadas (e, não, como se previa inicialmente, apenas por entidades públicas) potencia-se a inclusão de know-how estrangeiro no âmbito do mercado voluntário português.

f) O amplo espaço de regulamentação pela atividade administrativa

Esta circunstância, apesar de não constituir verdadeiramente uma novidade face ao texto submetido a consulta pública, permanece como uma das principais preocupações dos potenciais interessados neste mercado, digno de nota publicada na página da Presidência da República: o diploma do Governo foi promulgado “apesar de remeter, em pontos muito significativos, para diplomas administrativos”.

Com efeito, a atratividade, confiança e operacionalidade do mercado voluntário de carbono português encontra-se dependente da aprovação e regulamentação do Decreto-Lei n.º 4/2024:

(i) A atratividade, uma vez que as metodologias para projetos de carbono serão publicadas após a criação de uma comissão técnica para o efeito, a submissão a consulta pública e aprovação pela APA (em coordenação com outras entidades) (artigo 10.º);

(ii) A confiança no mercado está indissociavelmente relacionada com a garantia das qualificações necessárias do verificador independente com base em critérios estabelecidos em portaria a aprovar (artigo 12.º); 

(iii) A plena operacionalidade do mercado voluntário português encontra-se dependente do desenvolvimento e gestão da plataforma de registo de projetos e créditos de carbono pela Agência para a Energia (ADENE) (artigo 18.º, n.º 11).

Ana Luísa Guimarães | alg@servulo.com

João Tomé Pilão | jtp@servulo.com 

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