Decreto Regulamentar n.º 9-A/2017 Regulamenta o Cadastro Simplificado de Prédios Rústicos e Mistos, Cria o Balcão Único do Prédio
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 07 Nov 2017
Não é possível ordenar um território sem o conhecer. Por isso, é difícil encontrar resposta para a interrogação sobre como, em quase duas décadas volvidas do século XXI, metade do território português – apesar da sua dimensão diminuta – não foi ainda sujeita a qualquer operação de cadastro.
Os instrumentos de cadastro criados até ao momento foram manifestamente insuficientes para assegurar, de forma célere, eficaz e sobretudo, geradora de participação espontânea das populações, uma conclusão integral do cadastro predial em Portugal.
Novo esforço empreendido nesse sentido, perante o fracasso assumido da Lei nº 152/2015, de 4 de Setembro, foi promovido com a publicação da Lei nº 78/2017, de 17 de Agosto, que cria um sistema temporário de cadastro simplificado para a adoção de medidas para imediata identificação da estrutura fundiária e a titularidade dos prédios rústicos e mistos, por um lado, e, por outro, o Balcão Único do Prédio (BUPi), balcão físico e virtual, que permita reunir e harmonizar, num único instrumento territorial, toda a informação física e jurídica sobre os prédios (registo matricial, predial e informação georreferenciada). Um prédio único, para simplificar, com um número de identificação predial (NIP), um cartão de cidadão dos prédios no território nacional. A bondade da intenção é inequívoca.
Dependente de alguns aspetos regulamentares, veio a publicação, neste sábado de 4 de Novembro, já poucos dias depois da entrada em vigor da Lei, o Decreto-Regulamentar n.º 9-A/2017 concretizar a implementação e materialização destes dois instrumentos (cadastro simplificado e BUPi).
Em traços gerais, ficará registada no BUPi para cada prédio objeto de cadastro uma estrutura de atributos cadastrais composta por: localização administrativa, descrição predial (registo, matriz, área), promotor responsável pelo processo (entidade pública ou interessado); tipo de direito; identidade do representante; identificação do proprietário; data e método para obtenção da representação georreferenciada.
A operação permite quer a promoção oficiosa do cadastro, por várias autoridades (de onde se destacam a Autoridade Tributária e as Autarquias Locais), ou por iniciativa dos interessados, mediante a apresentação de documentos comprovativos de titularidade, apoiada, se possível, por um esboço das estremas dos terrenos, recorrendo ao auxilio de técnicos habilitados para o efeito, registados no BUPi, ou aos providenciados pelas entidades públicas para o efeito.
Para as situações mais dúbias, destacam-se: a validação da representação georreferenciada com reservas, sempre que exista incerteza sobre a localização ou sobreposição do polígono desenhado com outro de outro titular, e a sua recusa sempre que a mesma colida com bens do domínio público.
De igual modo, o Decreto-Regulamentar prevê ainda um modelo de composição administrativa de litígios que permitirá, após 40 dias da notificação aos interessados sobre a constituição da comissão administrativa designada para o efeito, resolver conflitos de sobreposição de polígonos entre confinantes. Esta deverá ser presidida por um conservador do registo predial, e composta por um mínimo de 3 membros, que podem ser designados de entre representantes da Autoridade Tributária, Instituto dos Registos e Notariado, Direção Geral do Território, ou Instituto da Conservação e Defesa das Florestas, conforme o tipo de conflito em causa.
O mecanismo simplificado possibilita ainda, (i) para os prédios informalmente transmitidos por morte do titular originário, a realização do respetivo trato sucessivo; (ii) para os prédios irregularmente titulados, a supressão de deficiências pelo próprio interessado junto da entidade responsável pelo registo, que, a requerimento daquele, oficiará as autoridades competentes para o fornecimento dos elementos/documentos adicionais necessários para o efeito que se encontrem na sua posse.
Atente-se no facto que este procedimento, não pondo em causa o normal processo de registo predial ou matricial, permite que, nos casos objetivamente mais simples, a ausência total de informação dê lugar à inscrição de novos prédios mistos ou rústicos, que, pela sua natureza, por desconhecimento dos titulares, ou por falta de incentivos, permaneciam no esquecimento ou numa neblina jurídica, prejudiciais aos objetivos que se pretendem cumprir.
O insucesso de diplomas anteriores com intuitos similares motivou o estabelecimento de um período experimental desta nova tentativa, que elegeu como áreas piloto os municípios afetados pelos incêndios de 15 de Junho passado: Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra, Penela, Sertã, Caminha, Alfândega da Fé e Proença-a-Nova. Este projeto piloto vigorará até 31 de Outubro de 2018, e culmina com a produção de um relatório de avaliação, com vista uma eventual extensão a todo o território nacional.
É, porém, nossa forte convicção, resultado de experiências pregressas noutros territórios, que um plano a este nível só singra se e devidamente acompanhado de um esforço central de proximidade da operação de cadastro às populações e às instituições locais, com campanhas e equipas de campo, ações de formação, e muito trabalho de comunicação, para que a informação seja pertinentemente divulgada, as vantagens da proatividade dos particulares, e a formação adequada às instituições para, todos, conjunta e atempadamente, atualizarem as informações sobre os prédios, sublinhando a gratuitidade dos procedimentos de realização do cadastro, até 31 de Dezembro de 2019, se recorrendo a entidades públicas. Não haverá lex sem praxis. Disso, não teremos qualquer dúvida, e a própria praxis já o provou.