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Combate à violência e discriminação no desporto: as alterações introduzidas pela Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 23 Ago 2023

A violência no desporto é um fenómeno atual, transversal às várias modalidades desportivas e aos diversos escalões de competição, suscetível de afetar não só a integridade física de atletas e adeptos, como também de colocar em causa o papel do desporto como veículo para a inclusão social. Por essa razão, a prevenção e combate à violência no desporto tem sido definida como uma prioridade nacional e comunitária. 

Nesse contexto, foi publicada, no dia 10 de agosto, a Lei n.º 40/2023, que reforça os mecanismos de combate à violência no desporto, alterando o regime previsto na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho. Neste artigo, analisaremos as alterações mais relevantes introduzidas pelo novo diploma. 

 I. Simplificação das exigências relativas à adoção de regulamentos de segurança e utilização de espaços públicos

A Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, simplifica as exigências relativas à adoção dos regulamentos de segurança e utilização de espaços públicos, mantendo a obrigatoriedade de adoção destes regulamentos apenas para instalações desportivas de maior capacidade e consequentemente de maior risco.

Os demais recintos desportivos passam a ter somente de dispor de regulamento de funcionamento das instalações desportivas, que devem incluir instruções de segurança e planos de evacuação, nos termos do regime jurídico das instalações desportivas de uso público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/2009, de 16 de junho. 

Esta medida permite uma graduação da exigência da regulamentação, proporcional ao tipo de recinto. 

II. Ajuste da figura do gestor de segurança

Embora a figura do gestor de segurança estivesse já prevista no regime anterior, a nova lei vem ajustar a mesma, concretizando os requisitos que o gestor de segurança deve preencher, permanente e cumulativamente. Assim, nos termos do novo diploma, o gestor de segurança deve:

    (i) Possuir escolaridade obrigatória;

   (ii) Possuir plena capacidade de exercício de direitos;

   (iii) Não ter sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime previsto nessa lei, por crime doloso contra a vida, contra a integridade física, contra a reserva da vida privada, contra o património, contra a vida em sociedade, ou por qualquer outro crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos, sem prejuízo da reabilitação judicial, até cinco anos após o cumprimento da respetiva pena. 

O promotor do espetáculo desportivo deve comunicar à Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (“APCVD”) o cumprimento destes requisitos, através decópia autenticada de documento de identificação ou equivalente, original do certificado de registo criminal para fins especiais e cópia autenticada de certificado de habilitações oudeclaração sob compromisso de honra de que se encontram reunidos os respetivos pressupostos, consoante o tipo de recinto e competição em causa. 

III. Densificação das regras relativas ao apoio dos promotores de espetáculos desportivos a grupos organizados de adeptos

Uma das principais preocupações em matéria de prevenção e combate à violência no desporto respeita à relação entre promotores de espetáculos desportivos e grupos organizados de adeptos. 

Desde logo, a Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, impõe aos promotores de espetáculos desportivos o dever de registo junto da APCVD dos grupos organizados de adeptos. Embora este registo fosse já obrigatório, não era claro que essa obrigação fosse dos promotores de espetáculos desportivos, antes se entendendo que deveria ser cumprida pelo próprio grupo de adeptos organizado. 

Por outro lado, conforme já resultava do regime anterior, os apoios técnicos, financeiros e materiais concedidos pelos promotores de espetáculos desportivos a grupos organizados de adeptos são objeto de protocolo, do qual passa a ter de constar também a identificação do número total de filiados e dos elementos que integram os órgãos sociais do grupo organizado de adeptos. 

Nos termos da Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, o referido protocolo terá de ser obrigatoriamente remetido à força de segurança territorialmente competente e à APCVD, que o publicará no seu website, passando esta informação a ser pública e transparente. O incumprimento deste dever de remessa constitui contraordenação, cuja coima mínima é de € 6.000,00. 

A APCVD publicitará também no seu website a lista dos grupos organizados de adeptos registados. 

Outra das novidades introduzidas pela nova lei nesta matéria respeita à criminalização do apoio a grupos organizados de adeptos não registados junto da APCVD e da concessão de apoios não declarados nos protocolos remetidos à APCVD. 

Pretende-se, assim, evitar a concessão de apoios a grupos organizados de adeptos não registados. 

IV. Previsão expressa de que as zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos são as zonas onde os promotores devem acomodar os grupos organizados de adeptos

A nova lei vem clarificar que os grupos organizados de adeptos devem ser acomodados nas zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, i.e., nas zonas em que é permitida a utilização de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, bem como de bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios. 

Trata-se de motivar o registo dos grupos oficiais de adeptos e garantir que os mesmos são acomodados em condições de acrescida segurança. 

V. Implementação de obrigação relativa a lugares apropriados para pessoas com deficiência ou incapacidade

A Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto introduz a obrigação de os recintos desportivos nos quais se realizem competições desportivas de natureza profissional, ou espetáculos desportivos cujo risco seja considerado elevado de nível 1, serem dotados de lugares apropriados para as pessoas com deficiência e ou incapacidades, integrados nas áreas de visitado e visitante e, quando possível, nas zonas com condições especiais de acesso e permanência. 

Esta norma visa garantir a inclusão de adeptos com deficiência ou incapacidade, permitindo-lhes o acesso às áreas do recinto desportivo onde devem ser acomodados os grupos organizados de adeptos.  

VI. Concretização do dever dos promotores do espetáculo desportivo facultarem os dados do sistema de videovigilância em perfeitas condições

Ao abrigo do regime anterior, os promotores de espetáculo desportivo estavam já obrigados a proceder ao envio da gravação de imagem e som e impressão de fotogramas colhidos pelo sistema de videovigilância, quando solicitado pelas forças de segurança ou pela APCVD. 

A Lei n.º 40/2013, de 10 de agosto, vem clarificar que as imagens devem ser enviadas em perfeitas condições, assim exigindo que as imagens captadas sejam nítidas e de qualidade. 

As coimas mínima e máxima para o incumprimento deste dever são também aumentadas, passando de € 2.500,00 para € 6.000,00 e de € 100.000,00 para € 200.000,00, respetivamente. 

Estas alterações visam garantir que o sistema de videovigilância seja um mecanismo efetivo e eficaz de auxílio à investigação.  

VII. Alargamento do âmbito de aplicação da medida de coação de interdição de acesso a recinto desportivo

A Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, alarga o âmbito de aplicação da medida de coação de interdição de acesso a recinto desportivo, passando a interditar o acesso a qualquer recinto desportivo e não apenas àquele associado à modalidade em que ocorreu o comportamento que conduziu à aplicação da sanção.  

VIII. Reforço dos poderes das forças de segurança

O novo diploma reforça os poderes das forças de segurança, passando, por exemplo, a possibilitar a recusa de acesso a recinto desportivo a grupos de adeptos, compostos por pelo menos duas pessoas, que tiverem participado em atos de violência previamente ao espetáculo desportivo. Esta é uma medida importante, dada a frequente ocorrência de episódios de violência nas concentrações de adeptos prévias ao espetáculo.  

IX. Reforço dos poderes da APCVD

A APCVD vê os seus poderes reforçados com as alterações introduzidas pela Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, assumindo um papel preponderante na fiscalização do cumprimento pelos promotores e organizadores de eventos desportivos das suas obrigações. 

De entre os poderes atribuídos à APCVD, destaca-se a possibilidade de o presidente da APCVD determinar a realização dos denominados jogos de torcida única, em caso de ocorrência de incidentes que tenham causado perturbação séria ou violenta da ordem pública em espetáculo desportivo anterior, provocados por adeptos visitantes. 

X. Possibilidade de responsabilização dos clubes pelo comportamento dos adeptos visitantes

A Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, introduz ainda a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, os clubes ou sociedades desportivas visitantes serem responsáveis pelo comportamento dos seus adeptos. Será o caso, por exemplo, de os adeptos visitantes recorrerem a práticas violentas, racistas, xenófobas ou ofensivas.  

XI. Agravamento das coimas pela prática de contraordenações relacionadas com comportamentos racistas, xenófobos ou intolerantes

A nova lei priorizou as infrações relacionadas com racismo, xenofobia e intolerância, tendo tipificado a promoção da violência, do racismo, da xenofobia, da intolerância e do ódio como contraordenação. 

As coimas pela prática de infrações relacionadas com comportamentos racistas, xenófobos ou intolerantes foram também agravadas. A coima mínima aplicável corresponde agora a € 1.750,00 e a coima máxima a € 200.000,00. 

A Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, introduz diversas e importantes alterações ao regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, mas não é isenta de críticas, designadamente pelo seu reduzido enfoque na efetiva responsabilização individual dos concretos autores dos fenómenos de violência no desporto, focando antes a sua ação quase em exclusivo nos clubes, sociedades desportivas, promotores e organizadores do espetáculo desportivo. 

A Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, entra em vigor no dia 10 de setembro de 2023.

 

Miguel Santos Almeida | msa@servulo.com

Maria Novo Baptista | mnb@servulo.com

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