Circular da CMVM sobre a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo no contexto da pandemia da COVID-19
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 08 Abr 2020
No passado dia 2 de abril, foi pela CMVM dirigida às entidades supervisionadas uma Circular relativa ao cumprimento de deveres em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo no contexto de exceção vivido em função da pandemia da doença COVID-19.
O conjunto de deveres legais preventivos a que as entidades obrigadas sujeitas a supervisão da CMVM se encontram vinculadas foi objeto de recente regulamentação através da aprovação do Regulamento da CMVM n.º 2/2020. Este regulamento, além de proceder à densificação de tais deveres, estabeleceu ainda deveres anuais de reporte a cumprir perante a CMVM. A título transitório foi estabelecido que o primeiro reporte – referente às atividades dos anos de 2018 e 2019 – deveria ser realizado até ao dia 30 de junho. No entanto, considerando o atual contexto de emergência e a novidade dos dados solicitados, veio a CMVM comunicar que procedeu à prorrogação de tal prazo até ao dia 30 de setembro.
Na Circular a CMVM alerta as entidades supervisionadas para a necessidade de estarem vigilantes e manterem plenamente operacionais os respetivos sistemas de controlo e de monitorização, pois a atual conjuntura de indefinição e de crise económica latente é suscetível de potenciar atividades criminosas e a consequente tentativa de práticas cuja finalidade última seja o branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo. Neste âmbito as entidades supervisionadas são remetidas para a Declaração do passado dia 1 de abril emitida pelo Grupo de Ação Financeira (FATF/GAFI) – a organização intergovernamental que internacionalmente estabelece os padrões de prevenção das referidas práticas ilícitas.
Como realçado pela CMVM, o FATF/GAFI veio alertar para a circunstância de se notarem já sinais do surgimento de atividades ilícitas em aproveitamento do quadro de exceção vivido. Nestas encontram-se, entre outras, esquemas fraudulentos de investimento e de angariação de fundos, ou práticas de phishing que se fundam nos receios provocados pela situação pandémica. Neste contexto propício à proliferação de práticas ilícitas, os agentes irão paralelamente tentar utilizar o sistema financeiro para promover práticas que visam dar uma aparência lícita ao dinheiro obtido, podendo tentar aproveitar-se de hipoteticamente o quadro pandémico desviar o foco das instituições financeiras para a mitigação das nefastas consequências do COVID-19. Assim, assume-se essencial que as instituições financeiras se encontrem vigilantes e continuem a adotar todos os procedimentos de identificação e monitorização dos seus clientes baseando-se no risco concretamente enfrentado.
Como forma de combate à pandemia do COVID-19, o FATF/GAFI reconhece a necessidade de utilização de meios digitais de pagamento, bem como da utilização de meios imateriais nas relações com os clientes. Adicionalmente também se afigura adequada no contexto de luta contra a propagação do vírus a adoção, sempre que admissível à luz do risco enfrentado, de medidas simplificadas no que respeita ao cumprimento do dever de identificação e diligência. Numa palavra, o FATF/GAFI insta as entidades financeiras a promoverem também o combate à pandemia do COVID-19 aproveitando para tanto a latitude existente no modo de cumprimento dos deveres preventivos, sempre que o concreto risco o permita.
Adicionalmente a CMVM invoca o Comunicado emitido pela European Banking Authority (EBA) a 31 de março. Neste a EBA demonstra o seu apoio ao conjunto de medidas adotadas pelos governos nacionais para mitigar os efeitos económicos da pandemia do COVID-19, porém, relembra as instituições financeiras da necessidade de manterem em vigor todos os procedimentos e controlos que impeçam que o sistema financeiro europeu seja utilizado para fins de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Partindo do facto de se reconhecer já no quadro desta conjuntura pandémica um aumento do nível de cibercrime e de crimes relacionados com esquemas fraudulentos de angariação de dinheiro e de venda de bens racionados a preços mais elevados, a EBA vem instar as autoridades nacionais competentes a exercer as competências de supervisão tendo em conta este novo circunstancialismo. Em especial, a autoridade europeia reforça a necessidade de um trabalho conjunto das autoridades nacionais com as instituições financeiras e com as autoridades judiciárias para identificar e combater novas tipologias de práticas de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, pois demonstrando os agentes de tais práticas uma considerável capacidade de adaptação existe a grande probabilidade de surgirem novas técnicas e novos canais para financiar terroristas ou camuflar a origem ilícita de certos montantes.
Por fim, a CMVM faz uma referência à necessidade de lhe serem comunicadas potenciais situações irregulares cuja investigação lhe compete, como será o caso de práticas de intermediação financeira não autorizada. Em tais comunicações não se enquadram operações suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, pois estas, sendo detetadas em resultado do adequado cumprimento dos deveres a que as entidades obrigadas se encontram vinculados, devem – como reforça o supervisor – ser comunicadas ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira.
José Guilherme Gomes | jgg@servulo.com