CRD VI: Os novos deveres ESG das instituições de crédito
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 08 Jul 2024
1. Importância do diploma; o “efeito cascata”
Foi publicada a Diretiva (UE) 2024/1619 (Capital Requirements Directive VI ou CRD VI), que altera o quadro prudencial e autorizativo das instituições de crédito. Sem prejuízo de outras implicações que este diploma determina (nomeadamente no que respeita ao regime das participações qualificadas e de fit and proper), são aqui apenas analisados os novos deveres jurídicos no âmbito ESG. Crê-se que estes deveres irão determinar um impacto muito relevante no tecido empresarial nacional, sobretudo nos processos de avaliação do risco de contratos de crédito, contribuindo para acelerar o “efeito cascata” na transformação sistémica de modelos de negócio e de práticas empresariais em direção a padrões sustentáveis. As disposições da Diretiva, na parte aqui tratada, devem ser transpostas até 10 de janeiro de 2026.
2. Deveres de identificação, avaliação, gestão e monitorização de riscos ESG
Nos termos do novo artigo 87.º-A, aditado pela CRD VI à Diretiva (UE) 2013/36, as autoridades competentes - no caso de Portugal, o Banco de Portugal – deverão garantir que as instituições de crédito disponham de um sistema de governo sólido, com um quadro de gestão de riscos que inclua estratégias, políticas, procedimentos e sistemas eficazes para a identificação, avaliação, gestão e monitorização de riscos ESG a curto, médio e longo prazo (num horizonte de, pelo menos, 10 anos).
As estratégias, políticas, procedimentos e sistemas a serem adotados deverão ser proporcionais à escala, natureza e complexidade dos riscos ESG do modelo de negócio e do âmbito das atividades da instituição. Nestes termos, as estratégias de identificação e gestão de riscos a serem adotadas por uma instituição de crédito multinacional com presença em diversos continentes, por exemplo, serão tendencial e proporcionalmente mais desenvolvidas do que aquelas a serem adotadas por uma instituição de crédito com presença circunscrita a apenas uma jurisdição.
3.Testes de resiliência aos impactos dos fatores ESG
A Diretiva CRD VI vem ainda obrigar a que as instituições de crédito realizem testes de resiliência aos impactos negativos, a longo prazo, dos fatores ESG. Este dever é essencial para assegurar que as instituições de crédito estão preparadas para enfrentar os desafios associados às alterações climáticas, mudanças sociais e políticas públicas no ambiente empresarial.
Os testes de resiliência devem considerar (i) o cenário de base, isto é, aquele em que se reúnem as condições normais de operação e (ii) o cenário de adversidade, isto é, o cenário representativo das condições adversas que a instituição financeira pode vir a enfrentar. Não obstante os testes de resiliência não oferecerem novidade no âmbito bancário, prevê-se agora que estes se estendam aos fatores ESG.
Na sequência de experiências anteriores, entendeu o legislador europeu que os testes de resiliência perante riscos relacionados com o ambiente, incluindo os riscos relacionados com o clima e os riscos decorrentes da degradação ambiental e da perda de biodiversidade, deverão ter prioridade, atendendo à sua urgência. Quanto a estes, as instituições devem começar por avaliar os impactos diretos de eventos climáticos extremos, tais como inundações e tempestades, nas operações e ativos da instituição, bem como as mudanças que as alterações climáticas e a transição para uma economia de baixo carbono podem promover nas políticas públicas, regulamentos e preferências de mercado.
Outros cenários a considerar incluem (i) o impacto a longo prazo das mudanças ambientais, como a perda de biodiversidade, escassez de recursos naturais e poluição; (ii) o impacto gerado pelas mudanças sociais, como desigualdades económicas, demografia e mudanças nas condições de trabalho e (iii) o impacto causado na estrutura de governação, práticas de gestão e questões éticas.
Cabe às autoridades competentes assegurar que os testes de resiliência se baseiam em cenários credíveis, adotando como referência projeções e modelos elaborados por organizações internacionais.
4. Metas quantificáveis e monitorização de riscos
Constitui ainda dever das autoridades competentes a avaliação e o acompanhamento da evolução das estratégias e gestão dos riscos em matérias ambientais, sociais e de governação adotadas pelas instituições. A avaliação, que poderá implicar a cooperação das autoridades competentes com as autoridades ou os organismos públicos responsáveis pela supervisão ambiental e das alterações climáticas, deverá ter em conta as ofertas de produtos relacionados com a sustentabilidade das instituições, as suas políticas de financiamento de transição e de concessão de empréstimos conexas e as metas e limites ambientais, sociais e de governação.
No âmbito da sua estratégia e gestão dos riscos, o órgão de administração de cada instituição deverá elaborar e monitorizar a execução de planos específicos que incluam metas quantificáveis e processos de controlo e resposta aos riscos financeiros decorrentes a curto, médio e longo prazo, dos fatores ESG. Em instituições de pequena dimensão e não complexas[1], os Estados-Membros poderão dispensar o órgão de administração do dever de elaboração dos planos em certos domínios ou aplicar-lhes um regime simplificado.
As metas e os processos de controlo e resposta incluídos nos planos deverão ter em consideração os últimos relatórios do Conselho Consultivo Científico Europeu sobre as Alterações Climáticas e as medidas por este prescritas.
5. O dever de consistência entre divulgações informativas e gestão de riscos
A CRD VI obriga ainda a que, sempre que relevante, haja uma coerência entre, de um lado, as metodologias e premissas subjacentes aos objetivos, compromissos e decisões estratégicas divulgados ao abrigo dos planos divulgados com base da CSRD ou outros normativos de deveres de informação ou de diligência e, de outro lado, os critérios, metodologias e objetivos de gestão de risco ao abrigo da CRD VI e as premissas e compromissos respetivos.
6. Implicações nas políticas remuneratórias
A Diretiva determina, por fim, a que as políticas e práticas remuneratórias das instituições de crédito devam ser coerentes com e promovam uma gestão sã e prudente dos riscos, incluindo o apetite de risco em termos de riscos ESG. Tal irá obrigar a adaptações nas políticas remuneratórias e na sua execução. Recorde-se que, no regime da diligência devida no âmbito ESG, este tema tinha sido eliminado na última versão da CSDDD.
7. Emissão de orientações pela EBA
Por último, a CRD VI vem estabelecer a data-limite de 10 de janeiro de 2026 para a publicação, pela Autoridade Bancária Europeia («EBA»), de orientações quanto a aspetos críticos relacionados à identificação, avaliação, gestão e monitorização dos riscos ESG. As orientações deverão abranger quatro pontos principais: normas mínimas e metodologias de referência; conteúdo dos planos de gestão de riscos ESG; critérios para avaliação do impacto dos riscos ESG; e definição de cenários para testes de resiliência.
[1] Tal como definidas no artigo 4.º, n.º 1, ponto 145), do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012.
Paulo Câmara | pc@servulo.com
Maria Luísa Borges | mlb@servulo.com
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