COVID-19: Guia para Empresas e Trabalhadores
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 14 Mar 2020
A Organização Mundial de Saúde declarou, no passado dia 11 de março, estado pandémico. As empresas resistem às repercussões operacionais e adaptação é a palavra de ordem. Na madrugada de ontem, foi publicado o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020, que aprova um conjunto de medidas com o mesmo fim.
Com este guia, pretendemos identificar as principais questões que, no plano laboral, têm vindo a ser suscitadas.
A informação abaixo disponibilizada não atende às especificidades que podem decorrer do previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e não dispensa aconselhamento jurídico orientado à realidade e dimensão de cada organização.
1. Que medidas preventivas deve o empregador adotar?
Os empregadores têm um dever geral de garantir condições de segurança e saúde no trabalho, devendo adotar as medidas necessárias à contenção do contágio na respetiva organização. No contexto de tais deveres e de acordo com a Orientação n.º 006/2020 da Direção-Geral de Saúde, de 26 de fevereiro (acessível por hiperligação), as empresas devem implementar um Plano de Contingência, que deve incluir: a) um plano estratégico de resposta à pandemia; b) a identificação de medidas preventivas; e c) a definição do procedimento interno a observar em caso de suspeita de contaminação.
2. Os trabalhadores estão obrigados a informar o empregador caso tenham sintomas de infeção por COVID-19?
Sim. Sobre os trabalhadores impendem deveres gerais de lealdade e de colaboração e um dever especial de cooperação em matéria de segurança e saúde no trabalho. Atendendo a que estamos perante um fenómeno pandémico, entendemos que os trabalhadores estão obrigados a comunicar ao empregador a possibilidade de serem portadores do vírus.
3. O empregador pode exigir aos trabalhadores que revelem se viajaram para áreas com transmissão comunitária especialmente ativa ou se estiveram em contacto com pessoa infetada nos últimos 14 dias?
Entendemos que sim. Por regra, a empresa não pode exigir ao trabalhador que revele informação relativa à sua vida privada. Contudo, o empregador tem o dever de assegurar condições de segurança e saúde no local de trabalho, devendo evitar que os trabalhadores sejam expostos a situações de risco, podendo, por isso, exigir aos trabalhadores que revelem se nos últimos 14 dias estiveram emáreas com transmissão comunitária especialmente ativa e/ou em contacto com pessoa infetada por COVID-19.
4. A quem deve o empregador comunicar a existência de um caso suspeito na empresa?
O empregador deve comunicar a existência de um caso suspeito às autoridades de saúde, de forma a possibilitar a identificação de quem possa ter sido exposto ao vírus. Sendo esta comunicação essencial à identificação de cadeias de contágio, o empregador deve divulgar às autoridades a identidade dos trabalhadores infetados ou potencialmente infetados. Já no plano interno, o empregador deve salvaguardar a identidade dos trabalhadores, divulgando-a apenas aos restantes que com aqueles tenham contactado, aos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho e ao médico do trabalho. O empregador não deve divulgar a terceiros informação pessoal relativa aos trabalhadores infetados ou aos trabalhadores que com estes contactaram, se os terceiros não tiverem tido contacto com aqueles.
5. Os trabalhadores podem recusar-se a trabalhar?
Os trabalhadores têm o dever de trabalhar, apenas podendo recusar-se a fazê-lo em casos excecionais, que tornem inexigível a prestação da respetiva atividade profissional. Um mero receio ou risco abstrato de infeção, não autoriza a não prestação do trabalho. Todavia, sendo possível a execução da atividade profissional em teletrabalho, quer o trabalhador, quer o empregador podem impor à contraparte a transição para este modelo de trabalho. Por outro lado, sem prejuízo das demais medidas de compensação abaixo descritas (v. infra 8. a 10.), o trabalhador pode solicitar que o empregador o dispense da prestação de trabalho e o empregador poderá autorizá-lo, suportando, todavia, o trabalhador, nesses casos, o prejuízo decorrente da perda de rendimento.
6. O empregador pode determinar o afastamento de um trabalhador do local de trabalho?
Os trabalhadores que estejam infetados com o vírus COVID-19 ou cujo isolamento profilático tenha sido determinado por autoridade de saúde estão dispensados da prestação da sua atividade. Nos restantes casos, de forma a evitar a disseminação do vírus no local de trabalho, o empregador deve, sempre que possível, promover o trabalho remoto, designadamente por via de teletrabalho. Cumpre, todavia, alertar que a formalização do teletrabalho deve ser documentada e obedece a regras próprias, que deverão ser observadas.
O empregador poderá ainda acordar com o trabalhador a antecipação do gozo de férias. Por regra, na falta de acordo, o empregador apenas pode proceder à marcação unilateral das férias entre 1 de maio e 31 de outubro, salvo em microempresa (empresa que empregue menos de 10 trabalhadores) ou em caso de empresa que prossiga atividade ligada ao turismo, em que apenas 25% do total anual de férias tem de ser marcado nesse período (na falta de acordo ou disposição diversa em contratação coletiva).
Noutro plano, sempre que seja compatível com a natureza da atividade, o empregador pode optar por encerrar a empresa ou o estabelecimento, total ou parcialmente, para férias dos trabalhadores: a) até 15 dias consecutivos entre 1 de Maio e 31 de Outubro; b) por período superior a 15 dias consecutivos ou fora do período enunciado em a), quando assim estiver fixado em instrumento de regulamentação coletiva ou mediante parecer favorável da comissão de trabalhadores; c) por período superior a 15 dias consecutivos, entre 1 de Maio e 31 de Outubro, quando a natureza da atividade assim o exigir.
7. Os acidentes ocorridos em teletrabalho são considerados acidentes de trabalho?
Sim. Tal foi, aliás, confirmado ontem, 13 de março, pela Associação Portuguesa de Seguradores em Comunicado “Coronavírus: Posição do Setor Segurador” (acessível por hiperligação), onde é atestado que os acidentes ocorridos em caso de teletrabalho são qualificáveis como acidentes de trabalho. No mesmo comunicado, é ainda indicado que o empregador deverá transmitir à seguradora quais os trabalhadores que passarão a prestar atividade em teletrabalho, o período normal de trabalho, o horário a observar, e, bem assim, a morada do local a partir do qual o trabalho será desenvolvido.
8. Qual o impacto das ausências dos trabalhadores em isolamento profilático na respetiva remuneração?
Em 3 de março, foi publicado o Despacho n.º 2875-A/2020 – acessível por hiperligação – , que prevê um regime de baixa excecional, procedendo à equiparação de hipóteses de ausência por isolamento profilático determinado por autoridade de saúde a situações de doença. De acordo com este regime, os trabalhadores em situação de isolamento profilático determinado por autoridade de saúde, conforme modelo/formulário anexo ao referido diploma, têm direito, por um período máximo de 14 dias, a subsídio de doença majorado (aplicação da percentagem de 100% no referente à remuneração de referência), sem necessidade de observância do usual “período de espera” de 3 dias, prazo de garantia ou índice de profissionalidade. Decorrido o período de 14 dias, passa a ter aplicação o regime normal de ausências por doença, auferindo os trabalhadores um subsídio de valor variável: (i) 55% da remuneração de referência até aos primeiros 30 dias de ausência; (ii) 60% para período de ausência superior a 30 e inferior ou igual a 90 dias; (iii) 70% para período de ausência superior a 90 e inferior ou igual a 365 dias; e de (iv) 75% para período de ausência superior a 365 dias.
A solução é idêntica no caso de trabalhadores infetados, que terão direito a subsídio de doença calculado nos termos do parágrafo anterior (entre 55% e 75% da remuneração de referência), igualmente sem necessidade de observância do usual “período de espera” de 3 dias. O formulário a utilizar pelas autoridades de saúde, em modelo anexo ao Despacho, substitui o usual documento justificativo da ausência ao trabalho, devendo ser remetido eletronicamente pelos serviços de saúde competentes aos serviços de segurança social no prazo máximo de 5 dias após a sua emissão.
9. Qual o impacto de ausências dos trabalhadores que sejam obrigados a faltar ao trabalho para prestação de assistência a filhos ou netos na respetiva remuneração?
Caso o trabalhador tenha de se ausentar ao trabalho para prestar assistência a filho ou neto em isolamento profilático ou infetado, terá direito a subsídio de montante igual a 65% da remuneração de referência. Caso a criança seja menor de 12 anos ou portadora de deficiência ou doença crónica, a atribuição do subsídio não está condicionada a prazo de garantia. Com a entrada em vigor do Orçamento de Estado de 2020, o valor do subsídio será aumentado para 100% da remuneração de referência em caso de assistência a filho, mantendo-se a percentagem de 65% no caso de assistência a neto.
Paralelamente, em 12 de março, o Governo anunciou o encerramento de todas as escolas até 9 de abril. Reconhecendo que esta circunstância forçará muitos trabalhadores a permanecer em casa em apoio aos descendentes, foram anunciadas as seguintes medidas: a) reconhecimento de justificação para as ausências dos trabalhadores que tenham de permanecer em casa, em apoio a filhos até 12 anos, salvo se for possível o recurso ao teletrabalho; b) atribuição, nestes casos, de subsídio mensal no valor de 66% da remuneração base, sendo o pagamento de 33% do subsídio assegurado pelo empregador, e os restantes 33% pela Segurança Social. Esta medida foi implementada através do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, publicado hoje (acessível por hiperligação), que exclui, porém, expressamente, deste âmbito de proteção, as interrupções escolares previamente calendarizadas (aqui se incluindo o período de férias fixado para a Páscoa). Para beneficiar deste regime, os trabalhadores deverão proceder ao preenchimento de declaração disponível no site da Segurança Social (acessível por hiperligação), atestando que o outro progenitor: a) está impossibilitado de prestar assistência ao dependente identificado; b) não requereu nem recebe apoio financeiro excecional à família por motivo de encerramento do estabelecimento de ensino. A parcela compensatória a cargo da segurança social é entregue ao empregador e é este que paga a totalidade do valor ao trabalhador. O apoio tem como valor mínimo 635 euros (1 salário mínimo nacional) e por valor máximo 1905 euros (3 vezes o salário mínimo nacional), sendo por isso o valor máximo suportado pela Segurança Social de 952,5 euros (1,5 salário mínimo nacional). O trabalhador paga a quotização de 11% do valor total do apoio, suportando o empregador 50% da contribuição que lhe cabe pelo total do apoio. O apoio excecional é apresentado pelo empregador à segurança social, através de formulário online a disponibilizar na Segurança Social Direta, atestando não haver condições para outras formas de prestação de trabalho, nomeadamente teletrabalho.
10. Em que casos pode o empregador ser obrigado a encerrar temporariamente a sua atividade?
O empregador pode ser obrigado a encerrar a sua atividade temporariamente se existir uma decisão da autoridade de saúde nesse sentido. Conquanto o empregador não tenha contribuído, ainda que por comportamento negligente, para uma tal decisão, o encerramento poderá ser qualificado como força maior. Se assim for, o empregador fica, todavia, vinculado ao pagamento de 75% da remuneração dos trabalhadores, pelo período de ausência.
Uma outra via passa pelo lay-off (i.e., regime de “suspensão de contratos de trabalho em situação de crise empresarial”), cujo procedimento e requisitos exigentes poderiam, na prática, inviabilizar o recurso a este mecanismo, por muitas empresas. Foi, por isso, decidido alterar o regime, agilizando esta solução em caso de empresas em que haja suspensão da atividade relacionada com o surto de COVID-19 e haja interrupção das cadeias de abastecimento globais ou quebra abrupta e acentuada de 40% das vendas, com referência ao período homólogo de 3 meses. Conforme o disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020 hoje publicada (“Resolução CM”) – com hiperligação –, em caso de lay-off, os trabalhadores terão direito a uma compensação retributiva equivalente a 2/3 do salário, até €1.905,00, devendo o empregador suportar 30% desse montante, sendo os restantes 70% assegurados pela Segurança Social. A duração do apoio é de 1 mês, prorrogável mensalmente após avaliação, até um máximo de 6 meses. É adicionalmente prevista a possibilidade de isenção total do pagamento de contribuições para a segurança social no período de lay-off simplificado e um incentivo financeiro extraordinário para assegurar o período subsequente ao lay-off, pelo total de 1 mês e no máximo de uma remuneração mínima mensal garantida por trabalhador.
Cumpre advertir que a implementação de parte das medidas acima descritas carece ainda de regulamentação por portaria de membro do Governo responsável pela área da segurança social. Com o decurso do tempo, irão certamente surgir novas questões, cujas respostas exigirão novos esforços de adaptação. Procederemos, por isso, a revisões periódicas deste guia, sempre que adequado.
Rita Canas da Silva | rcs@servulo.com
Maria Novo Baptista | mnb@servulo.com