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Auxílios públicos ao serviço do Desenvolvimento Sustentável

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 25 Mai 2020

O combate às alterações climáticas e o desejo de, até 2050, tornar a Europa no primeiro continente climaticamente neutro tornaram-se em prioridades centrais da Comissão Europeia. A União Europeia assume, assim, o compromisso de liderar mundialmente pelo exemplo naquele que tem de ser assumido como o atual desígnio geracional que assegure a sustentabilidade dos recursos do Planeta.

O Pacto Ecológico Europeu é ambicioso, desafiante e compreende diversas áreas de atuação. Assim, são perspetivadas mudanças políticas e legislativas que visem, entre outras, (i) uma transição para uma energia mais limpa e a preços acessíveis, (ii) uma mobilização industrial para uma autêntica economia circular, (iii) a conceção de um sistema alimentar mais ecológico, (iv) a aceleração na criação de soluções de mobilidade sustentável e inteligente e (v) garantir que as construções e renovações são feitas de forma eficiente no que concerne à utilização de energia e recursos.

Estes objetivos não são postos em causa pelo atual cenário de crise económica, causado pela pandemia da COVID-19.  Parece existir um consenso alargado de que a recuperação económica deverá passar por uma contínua e crescente aposta nos objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico Europeu. Tanto a Comissão Europeia como o Parlamento Europeu, por um lado, quer diversos ministros do ambiente, por outro, defenderam que o Pacto Ecológico Europeu e a Transformação digital devem ser os alicerces da recuperação da economia. A União Europeia parece, pois, focada e dedicada em dar cumprimento à ideia de “never waste a good crisis

É bom ter presente que, de um ponto de vista económico, algumas das soluções a implementar podem revelar-se inviáveis, pelo seu custo, complexidade e pela ausência de incentivos suficientes ao investimento pelas empresas. Seria ingénuo e irrealista considerar que as empresas se encontrariam disponíveis para pôr em prática projetos que, ab initio, não apresentassem condições para singrar no mercado. Algo ainda mais evidente num contexto pós-COVID-19.

Destarte, os auxílios públicos constituem um instrumento de enorme importância, possibilitando às empresas o acesso a recursos que as mesmas não conseguiriam obter em mercado. Um exemplo é o a decisão SA.55100 da Comissão Europeia, que considerou compatível um auxílio polaco à construção de uma estação termoelétrica para a utilização de resíduos como fonte de energia no Município de Gdansk.

Os auxílios públicos devem, obrigatoriamente, ser notificados à Comissão Europeia de modo a que esta possa aferir da sua compatibilidade com o mercado interno. Não obstante, a legislação da União isenta da obrigação de notificação algumas categorias de auxílios, desde que os pressupostos estejam cumpridos: é o que sucede, com Auxílios ao investimento a favor da reciclagem e reutilização de resíduos. Contudo, esta categoria de auxílios não engloba a construção de infraestruturas que pretendam utilizar resíduos para a produção de energia.

O projeto será implementado através de uma parceria público-privada entre uma empresa municipal e uma empresa privada selecionada com base nas normas de contratação pública. Estima-se que o auxílio ora aprovado venha a permitir a absorção anual de 160.000 toneladas de resíduos, e a redução da utilização de combustíveis fósseis na produção de energia. Ao aferir da compatibilidade deste auxílio com o mercado interno a Comissão chegou a algumas conclusões dignas de nota:

  • O objetivo é alcançar poupanças primárias de energia, as quais serão possíveis pelo facto de a estação termoelétrica produzir eletricidade de forma altamente eficiente (§40);
  • Os resíduos serão queimados de acordo com os princípios hierárquicos para o tratamento de resíduos definidos na legislação da União (§41);
  • O projeto contribuirá para a redução de emissões de CO2 e da quantidade de resíduos em aterros (§43);
  • Está comprovada a adicionalidade: sem apoio público as empresas não teriam incentivo suficiente para o investimento, vista a sua falta de rentabilidade (§46);
  • Mesmo com o apoio público não é expectável que o beneficiário do auxílio venha a obter lucros excessivos com a construção e operacionalização do projeto (§58);
  • O auxílio, pela sua natureza, favorece tecnologias e produtos amigos do ambiente à custa de outros mais poluentes, mas sem que isso conduza a uma distorção da concorrência indevida, uma vez que se encontra intrinsecamente ligada ao seu objetivo (§61).

Por conseguinte, à luz das considerações anteriores, a Comissão Europeia declarou o auxílio compatível com o mercado interno, visto que o mesmo serve um objetivo de interesse comum, existe uma necessidade para a concessão do auxílio, é proporcional e não é expectável que existam distorções da concorrência indevidas.

Esta decisão da Comissão Europeia parece ser um bom guia para próximos investimentos nestas áreas. Neste sentido, e de acordo com a revisão das suas próprias orientações relativas a auxílios públicos nos domínios do ambiente e energia, será interessante ver de que forma a Comissão Europeia acolherá aí algumas das ilações que se retiram desta decisão. A revisão das orientações existentes constitui, aliás, um importante sinal do caminho que a Comissão Europeia se propõe trilhar.

Mais arrojado seria, inclusive, a consagração deste tipo de auxílios como uma categoria isenta de notificação nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014, pois teria um impacto positivo na promoção deste tipo de importantes medidas, removendo uma barreira administrativa a projetos ambientais responsáveis. Naturalmente que, num tal cenário, seria imperativo estabelecer um enquadramento adequado e que respeitasse condições compatíveis com o mercado interno, podendo a decisão SA.55100 (nomeadamente quanto às conclusões atrás referidas) ser utilizada como exemplo. Um passo como este poderá revelar-se como fundamental para inverter a tendência depletiva e de degradação do ecossistema, cada vez mais premente nos dias de hoje e que, mesmo no período imemorial que vivemos, não pode ser negligenciada. 

Guilherme Oliveira e Costa | goc@servulo.com