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Auxílios Públicos em Tempos de Pandemia – Do’s and Don’ts

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 02 Abr 2020

A COVID-19 tem provocado, e continuará a fazê-lo, um debate importante sobre o papel que o Estado deve assumir perante uma pandemia desta escala. Do ponto de vista económico, as empresas, principalmente mas não apenas as PME, necessitam de apoios urgentes para enfrentar a quebra inesperada da procura e de receitas. Neste aspeto, o Estado Português tem estado atento, como a SÉRVULO já deu conta, disponibilizando linhas de crédito específicas aos setores da restauração, turismo e indústria, às quais acresce a linha de crédito Capitalizar 2018–Covid-19, que tem um âmbito geral.

No entanto, a criação destes apoios tem de observar as regras que governam o mercado interno, mormente as regras relativas aos auxílios públicos. A pesar de a COVID-19 ter levado a Comissão Europeia a flexibilizar a sua política, como também já foi analisado pela SÉRVULO, a realidade é que os Estados membros já dispõem (e continuarão a dispor) de ampla margem de manobra para desenhar medidas de apoio à economia que escapam às proibições previstas nos Tratados, nomeadamente medidas aplicáveis a todas as empresas, apoios financeiros diretos a consumidores e medidas que cumpras as regras de minimis.

O Despacho Normativo n.º 4/2020, de 25 de março, segue nesta linha. Ele cria uma linha de apoio financeiro dirigida às microempresas turísticas cuja atividade se encontra(e) fortemente afetada pelos efeitos económicos da COVID-19, para acautelar as suas necessidades de tesouraria. O apoio a ser concedido será um apoio reembolsável no prazo de 3 anos, com um período de carência de 12 meses, sem juros remuneratórios. O apoio terá o valor 750 euros mensais por posto de trabalho existente na empresa a 29 de fevereiro de 2020, até três meses e até ao montante global de 20.000 euros. Como o diploma refere, embora desnecessariamente, a medida enquadra-se no âmbito da exceção de minimis ao regime dos auxílios públicos, pelo que as empresas só podem beneficiar se não excederem já (ou até esse limite) os limiares estabelecidos na legislação europeia.

Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 10-H/2020, de 26 de março suspendeu a cobrança do valor fixo das comissões em operações de pagamento. Esta medida, ao contrário da anterior, é um exemplo de uma medida que não constitui um auxílio público. E isto porque pode ser usufruída por qualquer beneficiário de um pagamento que disponha de terminais de pagamento automático, qualquer que seja o setor de atividade em que atue. E o mesmo se diga de outras medidas entretanto adotadas, como os apoios extraordinários à manutenção do contrato de trabalho e para apoio à normalização da atividade da empresa (Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março) ou o regime excecional e temporário de cumprimento de obrigações fiscais e contribuições sociais (Decreto-Lei n.º 10-F/2020, de 26 de março, e também já abordado pela Sérvulo).

Já o Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de março aprova isenções de cobrança de comissões ou de valores suplementares aos agentes culturais que cancelem ou reagendem eventos por motivos relacionados com a COVID-19. A Comissão Europeia já foi chamada a decidir sobre um regime de auxílios públicos concedidos pela Dinamarca neste setor, com algumas semelhanças ao regime agora adotado. Embora a Comissão Europeia tenha autorizado a concessão desses auxílios, a decisão para a Dinamarca não se aplica automaticamente noutros Estados membros, mormente em Portugal, razão pela qual estas medidas, quando não abrangidas por isenção categorial ou pelas regras de minimis, devem ter em conta as exigências do direito da UE, para mitigar os riscos de uma decisão desfavorável no futuro.

O Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, estabelece medidas excecionais de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social e demais entidades da economia social, bem como um regime especial de garantias pessoais do Estado, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, sobre o qual também já nos pronunciámos. Embora se entenda o propósito, não pode deixar de se fazer um pequeno reparo: nem Portugal (nem outro Estado membro) devem declarar normativamente (ao contrário do que o n.º 3 do artigo 1.º) que a COVID-19 é um evento excecional com consequências graves para a economia, nos termos do artigo 107.º do Tratado (TFUE). Embora seja esse o entendimento que a Comissão Europeia tem perfilhado nas orientações e decisões que tem adotado em matéria de auxílios públicos, no contexto da COVID-19, a aferição da compatibilidade de auxílios (ou regimes de auxílios) com o tratado é uma competência da Comissão Europeia que não pode ser dispensada por norma nacional, mantendo-se aplicáveis as obrigações, nomeadamente de notificação e de standstill.

Os tempos que vivemos são dos mais exigentes. Os Estados cumprem com a União as obrigações que assumiram perante esta. A União limita-se pelas atribuições que os Estados reservaram para si no domínio da saúde pública. Esta partilha tem consequências, como todos vemos. Mas importa reter que, por força dessas regras voluntariamente assumidas, são as empresas que sofrem as consequências de auxílios incompatíveis com o mercado interno, pois terão de os devolver, e com juros. Por isso, como diz o velho adágio, entre o forte e fraco, é a liberdade que oprime e a forma que protege. Cabe assim ao legislador e à Administração prover ao interesse público no respeito pelo processo devido. Embora seja uma tarefa difícil e ingrata em tempos como estes, é também necessária e fundamental para assegurar o melhor funcionamento possível do nosso sistema económico.

Miguel Gorjão-Henriques | mgh@servulo.com

Francisco Marques de Azevedo | fma@servulo.com

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