Aprovada a aguardada Norma Regulamentar da ASF relativa ao Branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 26 Nov 2024
Foi finalmente aprovada a longamente maturada Norma Regulamentar n.º 10/2024-R, de 5 de novembro (a “Norma Regulamentar”) da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (a “ASF”) que procede à densificação da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (a “LBCFT”). A tardia aprovação desta Norma Regulamentar permite agora fechar o elenco de regulamentos administrativos destinadas a prevenir no sistema financeiro português as referidas práticas ilícitas[1].
Apesar de o Regulamento em análise se limitar à densificação de deveres já resultantes da LBCFT e que, por isso, deveriam ser já cumpridos pelas entidades obrigadas, são introduzidas soluções com caráter inovador e novas obrigações de comunicação à ASF que obrigarão à reconfiguração de políticas e procedimentos dos destinatários da Norma Regulamentar. Estes correspondem a todas as entidades obrigadas sujeitas à supervisão da ASF (artigos 1.º e 3.º[2]).
Esta nova Norma Regulamentar caracteriza-se, a título geral, por ser transversalmente informada pelo princípio do risk-based approach que é, na verdade, o princípio subjacente a todo o sistema preventivo do branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (o “BCFT”). Tal manifesta-se pelo estabelecimento de soluções claramente diferenciadas em função do risco inerente à tipologia de entidades obrigadas, como acontece, por exemplo, quanto aos mediadores de seguros.
Sem prejuízo da indispensável análise integral do conteúdo da Norma Regulamentar por parte das entidades obrigadas que cabem no seu âmbito subjetivo de aplicação, merecem, desde já, ser sumariamente assinalados os seguintes aspetos que têm impacto na atividade daqueles que atuam na gestão de fundos de pensões e no mercado segurador:
Revisão de Políticas, Avaliação de Eficácia e Avaliação de Riscos
É fixado um prazo máximo de três anos para a revisão da atualidade das políticas, procedimentos e controlos implementados pelas entidades obrigadas para dar cumprimento à LBCFT e à Norma Regulamentar. Terão, pois, as entidades obrigadas de definir na sua Política de Prevenção do BCFT uma periodicidade de revisão mínima trienal para desenvolver tal procedimento que deve documentalmente concluir pela necessidade ou desnecessidade de atualização.
Por seu turno, as regras estabelecidas pela ASF quanto às avaliações de eficácia são exemplarmente demonstrativas da adoção do referido princípio de risk-based approach pois, se quanto às entidades mais significativas estas devem ter uma periodicidade anual (artigo 7.º, n.º 3), no caso dos mediadores de seguros as avaliações de eficácia devem ser concretizadas com intervalos de três anos ou, para aqueles que representem um menor risco, nem serão exigíveis (artigo 7.º, n.º 2). Os resultados destas avaliações, quando devidas, integram o dever de reporte anual abaixo descrito (artigo 7.º, n.º 4).
Ainda como demonstração da adoção do aludido princípio, refiram-se as dispensas de avaliações de risco, nomeadamente de produtos de risco claramente baixo como são planos de pensões profissionais e seguros de vida para garantia de crédito bancário (artigo 10.º, alínea b)).
Governo Interno
As sociedades gestoras de fundos de pensões e as empresas de seguros ficam agora obrigadas a formalmente atribuir o pelouro da prevenção do BCFT a um membro do seu órgão de administração (artigo 8.º, n. º 1). No entanto, a escolha do concreto administrador a designar fica dependente da verificação de intensos requisitos de adequação e de desempenho da função (artigo 8.º, n.º 3). Esta designação deve ser comunicada à ASF nos termos da Norma Regulamentar n.º 9/2023-R, de 3 de outubro relativa registo prévio para o exercício de funções reguladas (artigo 8.º, n.º 5).
Por sua vez, a obrigação de designação de um Responsável pelo Cumprimento Normativo (o “RCN”) é imposta não apenas aos tipos de entidades acima mencionadas, mas também aos mediadores cuja atividade se assuma mais relevante e, por isso, represente um maior risco de BCFT por ultrapassar, por referência ao ano civil anterior, dois limiares traduzidos em: i) terem, pelo menos durante seis meses, mais de 15 pessoas diretamente envolvidas na atividade de distribuição de seguros; e ii) terem estado envolvidos em atividades de mediação que representem mais de cinco milhões de euros de prémios e contribuições do ramo Vida nesse ano (artigo 9.º, n.º 1). Particularmente importante quanto ao RCN são os requisitos de adequação estabelecidos (artigo 9.º, n.º 4) e o facto de ser considerada uma função-chave o que implica, em síntese, a sua aprovação pela ASF (artigo 9.º, n.º 5).
Dever de Diligência e adoção de Medidas Simplificadas e Reforçadas
A ASF procede, em especial nos respetivos Anexos I e II, à definição de fatores a ter em conta para a determinação do risco de clientes, contrapartes e operações. Pelo que as entidades obrigadas, na adoção de medidas simplificadas ou reforçadas, terão necessariamente de ponderar tais fatores de risco. Relembre-se que a adoção de tais medidas de diligência tem sempre de ser documentalmente justificada (artigos 18.º, n.º 1 e 19.º, n.º 2), pelo que em tais justificações a produzir deverão ser analisados os aspetos elencados pelo Supervisor.
Procedimentos de Atualização
As entidades obrigadas sujeitas à supervisão da ASF devem ter atenção ao facto de ser previsto um dever de atualização imediata dos elementos identificativos de clientes e contrapartes – ou seja, independentemente do risco atribuído e da periodicidade de atualização definida na Política de BCFT – sempre que se verifique um dos factos expressamente previstos (artigo 20.º, n.º 1).
Neste âmbito é ainda imposto um dever de conformação do conteúdo dos contratos a celebrar com clientes e contrapartes, sendo agora indispensável que tais instrumentos prevejam uma obrigação de comunicação de quaisquer alterações verificadas nos elementos de informação disponibilizados, no início ou no decurso do contrato estabelecido (artigo 20.º, n.º 4).
Mediadores de Seguros
Como resulta dos aspetos de regime acima identificados, a Norma Regulamentar estabelece especiais soluções destinadas aos mediadores de seguros atendendo às características da atividade e à existência de mediadores de dimensões consideravelmente diferentes. É este o contexto que justifica que se permita que os medidores de seguros que não ultrapassem os limiares acima descritos possam, em suma, não dispor de políticas e de procedimentos e controlos próprios, embora nesse caso devam aderir àqueles definidos pelas sociedades gestoras de fundos de pensões ou empresas de seguros com as quais trabalham (artigo 11.º, n.º 1), sendo, no entanto, imposto a estas últimas deveres de informação e monitorização (artigo 11.º, n.º 2).
Aos mediadores em geral – isto é, sem dependência de limiares – é ainda permitido, mediante a verificação de certas condições, que não disponham de sistemas de informação próprios (artigo 14.º).
Reporte periódico relação com a ASF
Além da fixação de um dever de envio de um relatório anual, a Norma Regulamentar integra esparsos deveres de comunicação à ASF e promove diversas clarificações dos poderes do Supervisor quanto à prevenção do BCFT.
No que concerne ao dever de reporte anual, assume relevo o facto de os mediadores com atividade menos significativa, medida pelos limiares acima descritos, ficarem isentos desse dever (artigo 29.º, n.º 2). As demais entidades obrigadas devem proceder ao envio à ASF do relatório anual até dia 15 de abril, com referência ao ano anterior, segundo o modelo que constitui o Anexo III à Norma Regulamentar. Para o reporte relativo ao corrente ano no qual se inicia a vigência do Regulamento em análise, é estabelecido um prazo mais alargado até 30 de junho de 2025 (artigo 34.º, n.º 2).
Por sua vez, singularmente relevante – por ser diferente da opção dos demais Supervisores do sistema financeiro – é o dever de informar imediatamente a ASF das práticas suspeitas comunicadas à UIF e DCIAP que, pela sua natureza ou dimensão, sejam suscetíveis de afetar a solvência ou reputação da entidade obrigada (artigo 22.º, n.º 2).
Por fim, a ASF incluiu diversas disposições destinadas a esclarecer os seus poderes em diversos contextos, como: i) possibilidade de determinação de revisões e avaliações de eficácia extraordinárias às políticas, procedimentos e controlo (artigos 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 6); ii) possível definição de um conteúdo mínimo para o modelo de gestão de risco (artigo 6.º, n.º 2); e iii) hipóteses de dispensa de envio do relatório anual ou fixação de periodicidades diversas para certas categorias de entidades (artigo 29.º, n.º 2 e 5).
[1] Os demais regulamentos administrativos vigentes são o Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2023 e o Regulamento da CMVM n.º 2/2020.
[2] Todas as normas referenciadas naturalmente pertencem à Norma Regulamentar em análise.
José Guilherme Gomes | jgg@servulo.com