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Apreensão de correio eletrónico em processos por práticas restritivas só com a autorização do juiz: o Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 22 Jul 2024

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em acórdão de fixação de jurisprudência[1], que em processos por práticas restritivas é o juiz que detém a competência exclusiva para autorizar a apreensão de correio eletrónico.

Com maior rigor transcreve-se a jurisprudência fixada: “Em processo de contraordenação relativo a práticas restritivas da concorrência previstas no Regime Jurídico da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime), aplicável por força do disposto no art. 13.º n.º 1, do RJC e do art. 41.º, n.º 1, do RGCO”.

Com este aresto, o STJ põe fim a anos de decisões contraditórias, mormente do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) e do Tribunal da Relação de Lisboa, sobre qual é a autoridade judiciária competente para determinar a apreensão de correio eletrónico em processo contraordenacional por práticas restritivas da concorrência: ou seja, se é o Ministério Público ou o Juiz de Instrução Criminal.

Nas últimas decisões, aliás, este último já se vinha pronunciando no sentido que agora faz vencimento. Em síntese, o STJ concluiu que também no direito da concorrência se deve subordinação aos princípios que decorrem da sua jurisprudência relativa ao cibercrime, mormente do Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 10/2023.

O STJ concluiu que, na ausência de disposições próprias no Regime Jurídico da Concorrência (RJC) e do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) sobre a apreensão de mensagens de correio eletrónico, há lugar à aplicação subsidiária das normas que regem os processos criminais, e entre estas avulta não só o Código de Processo Penal, mas também as normas da Lei do Cibercrime[2]. Ou seja, todas as apreensões de mensagens de correio eletrónico estão submetidas ao princípio da reserva de juiz[3], colocando também um ponto final na discussão sobre a distinção entre mensagens marcadas como abertas (lidas) e fechadas (não lidas).

Mais: esclareceu o Tribunal que mesmo que não existisse nos regimes processuais criminais um regime específico para a apreensão de correio eletrónico, o regime constitucional de proteção do segredo da correspondência, constante do n.º 4 do artigo 34.º da CRP, conduziria à mesma conclusão.

No processo, é de salientar que o Ministério Público se pronunciou no mesmo sentido. Para o Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto do STJ, “de todo o indicado complexo normativo resulta, assim, a nosso ver de forma incontroversa, que a apreensão de mensagens de correio eletrónico [correspondência] que estejam armazenados num sistema informático de uma empresa ou à mesma afeto, só pode ser autorizada ou ordenada, desde logo por imperativo constitucional, por despacho judicial”.

O presente processo assegura assim, em nome do Estado de Direito, um alinhamento virtuoso, cada um ao seu nível, das posições do STJ, do Tribunal Constitucional e do Ministério Público. O resultado está, assim, totalmente em linha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que já havia julgado inconstitucional a norma extraída das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 1 do artigo 20.º do RJC, segundo a qual, em processo contraordenacional por prática restritiva da concorrência, é permitida à Autoridade da Concorrência a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico abertas mediante autorização do Ministério Público[4].

Em face de três decisões do Tribunal Constitucional no mesmo sentido, é expectável que seja promovida a organização de um processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade.

 



[1] Cf. Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 26.6.2024, no processo 28999/18.3T8LSB-B.L1-A.S1, disponível aqui.
[2] Artigo 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro.
[3] Cf. artigo 17.º da Lei do Cibercrime e nos artigos 179.º e 252.º do CPP, ex vi artigo 13.º, n.º 1, do RJC e artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações.
[4] Cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 91/2023 e n.º 314/2023 e Decisão sumária n.º 277/2024 (confirmado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 510/2024).



Miguel Gorjão-Henriques |
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