Aplicação do Direito da Concorrência em tempos de COVID-19
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 31 Mar 2020
Quarentenas em larga escala, restrições a viagens e medidas de distanciamento social, na sequência do eclodir do COVID-19, estão a ter consequências sociais e económicas dramáticas. E qual tem sido o impacto do COVID-19 ao nível das práticas restritivas da concorrência, auxílios públicos e controlo de concentrações?
Práticas Restritivas da Concorrência
Aparentemente o Direito da Concorrência não está suspenso. O objetivo de assegurar um level playing field entre as empresas permanece. Contudo, a Autoridade da Concorrência subscreveu a Declaração conjunta da ECN sobre a aplicação das regras da concorrência durante a crise do Coronavírus, que parece introduzir alguma flexibilidade:
• "A ECN compreende que a atual situação extraordinária poderá desencadear a necessidade de cooperação entre empresas de forma a garantir para todos os consumidores a oferta e distribuição justa de produtos de escassa disponibilidade. Nas circunstâncias atuais, a ECN não intervirá ativamente contra medidas necessárias e temporárias que sejam implementadas de forma a impedir a escassez de oferta.
• Considerando as circunstâncias atuais, em todo o caso, é pouco provável que tais medidas constituam um problema, pois não consubstanciariam uma restrição à concorrência, nos termos do Artigo 101.º do TFUE / Artigo 53.º do acordo EEE, ou iriam gerar ganhos de eficiência que, muito provavelmente, compensariam qualquer restrição. Caso as empresas tenham dúvidas quanto à compatibilidade de tais iniciativas de cooperação com o direito da concorrência da UE/EEE, podem contactar, a qualquer momento, a Comissão (…) ou a autoridade da concorrência nacional em causa para obter orientações informais.
• Ao mesmo tempo, é de importância fundamental garantir que os produtos considerados essenciais para proteger a saúde dos consumidores, nas atuais circunstâncias (p. ex. máscaras faciais e gel sanitário), permanecem disponíveis a preços competitivos. Assim, a ECN não hesitará em agir contra as empresas que tirem proveito das atuais circunstâncias através da cartelização ou do abuso da sua posição dominante.
• Neste contexto, a ECN gostaria de salientar que as atuais regras vigentes permitem aos produtores definir preços máximos para os seus produtos. Estes poderão revelar-se úteis para limitar aumentos de preço injustificados ao nível da distribuição”.
A violação do direito da concorrência implica riscos severos, como seja a aplicação de elevadas coimas, invalidade dos acordos, ações de responsabilidade civil, etc. Neste sentido, é recomendável que as empresas contactem a Comissão Europeia ou a Autoridade da Concorrência e obtenham orientação informal, antes da implementação de quaisquer acordos de cooperação com os seus fornecedores ou concorrentes.
Neste sentido, a Autoridade da Concorrência já avisou que “se mantém particularmente vigilante na missão de deteção de eventuais abusos ou práticas anticoncorrenciais que explorem a atual situação, em detrimento das pessoas e da economia, por exemplo, em matéria de combinação de preços ou de repartição de mercados” (comunicado de imprensa disponível aqui).
Auxílios Públicos
As regras dos auxílios públicos também preveem algum grau de flexibilidade relativamente ao apoio à economia no contexto do surto do COVID-19. A Comissão Europeia considerou que quatro regimes de garantias para pequenas e médias empresas (PMEs) e MidCaps afetadas pelo coronavírus eram compatíveis com as regras dos auxílios públicos. Os regimes têm um orçamento total de 3 mil milhões de euros e foram aprovadas no âmbito do “Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID-19”, adotado pela Comissão Europeia a 19 de Março de 2020. A Comissão aprovou quatro regimes, os quais foram transpostos para a legislação nacional: (i) turismo; (ii) restaurantes; (iii) indústria e (iv) agências de viagens e organização de eventos. Por outro lado, todos os países foram temporariamente removidos da lista de “riscos negociáveis” nos termos da Comunicação sobre seguro de crédito à exportação em operações garantidas a curto prazo. Esta alteração está em linha com a flexibilidade introduzida pelo referido “Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID-19” ao possibilitar que as seguradoras públicas providenciem seguros de crédito à exportação em operações de curto prazo. Em actualização permanente, a Comissão disponibiliza um novo formulário de auxílios “Covid”, várias orientações estratégicas e os regimes de outros Estados membros que foram aprovados (mais informação disponível aqui).
Controlo de concentrações (M&A)
A Autoridade da Concorrência encoraja todas as partes interessadas a usarem os meios de comunicação electrónica, como seja o Sistema de Notificação Eletrónica (SNEOC), entre outros, ao passo que informa que os seus colaboradores se encontram a trabalhar remotamente em regime de teletrabalho (comunicado de imprensa). Apesar de a Autoridade da Concorrência ter colocado em marcha uma série de medidas destinadas a garantir a continuidade da vida empresarial e o enforcement das regras de controlo de concentrações, é expetável que as empresas atrasem ou suspendam transações originalmente planeadas, devido à incerteza da crise e ao previsível abrandar da atividade económica.
Alberto Saavedra | as@servulo.com