A Prorrogação do Regime Excecional e Temporário de Revisão (extraordinária) de Preços nos Contratos Públicos
PUBLICAÇÕES SÉRVULO 03 Jul 2023
Foi publicado no passado dia 30 de junho de 2023, o Decreto-Lei n.º 49-A/2023, de 30 de junho, que prorrogou até ao dia 31 de dezembro de 2023 a vigência do regime excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto em contratos públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2020, de 20 de maio, e procedeu à revisão do fator de compensação aplicável aos casos de revisão por fórmula.
O Decreto-lei n.º 36/2022, de 20 de maio, cuja vigência foi agora prorrogada, veio estabelecer um regime excecional e temporário de revisão de preços e de adjudicação, procurando responder ao aumento abrupto e excecional dos custos com matérias-primas, materiais, mão de obra e equipamentos de apoio atualmente verificado, que teve a sua génese, primeiro, nas contingências colocadas pela pandemia de COVID-19, e depois, pela crise energética verificada, sobretudo no mercado europeu, em consequência, designadamente, da guerra na Ucrânia, que eclodiu em fevereiro de 2022.
Esta inesperada conjuntura determinou aumentos abruptos e exponenciais dos preços das matérias-primas, dos materiais e da mão-de-obra, com grande impacto na economia internacional, e que se refletiu e reflete, nos custos de execução dos contratos públicos.
Isso mesmo foi especialmente reconhecido pelo legislador português, que veio aprovar um diploma legal que “[e]stabelece um regime excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto nos contratos públicos”, através do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio, em cujo preâmbulo se refere, justamente, que, “[a] situação excecional nas cadeias de abastecimento e as circunstâncias migratórias resultantes da pandemia da doença COVID-19, da crise global na energia e dos efeitos resultantes da guerra na Ucrânia resultou em aumentos abruptos dos preços das matérias-primas, dos materiais e da mão de obra, com especial relevo no setor da construção, o que tem gerado graves impactos na economia”.
Inicialmente, este regime excecional e temporário de revisão (extraordinária) de preços nos contratos públicos vigoraria apenas até ao dia 31 de dezembro de 2022, tendo sido este prazo sucessivamente prorrogado, com fundamento na taxa de inflação existente na economia portuguesa e na manutenção de variações em cadeia dos preços de alguns materiais utilizados nas obras públicas, com variações homólogas positivas na revisão de preços. O prazo de vigência foi prorrogado, primeiro, até ao dia 30 de junho de 2023, por força do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2022, de 4 de outubro, e, agora, até ao dia 31 de dezembro de 2023, por força do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 49-A/2023, de 30 de junho.
O regime previsto no Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio, cuja vigência foi agora prorrogada, é aplicável, nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio, aos contratos públicos, em execução ou a celebrar, e aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados ou a iniciar, e, ainda, com as necessárias adaptações, aos contratos públicos de aquisição de bens, e nos casos de aquisições de serviços, às categoriais de contratos determinadas pela Portaria n.º 74.º-A/2023, de 7 de março.
Por força do disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio, na redação impressa pelo Decreto-Lei n.º 49-A/2023, de 30 de junho, o regime previsto nesse diploma é aplicável a todos os pedidos efetuados, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º, até 31 de dezembro de 2023.
Para aceder a este regime excecional de revisão extraordinária de preços, que habilita os cocontratantes, designadamente os empreiteiros, a promoverem uma modificação objetiva dos contratos, nomeadamente, da forma de revisão de preços contratualmente vigente, estes devem demonstrar o preenchimento dos critérios de elegibilidade pressupostos no n.º 1 do artigo 3.º:
(i) um determinado material, tipo de mão de obra, ou equipamento de apoio deve representar, ou vir a representar durante a execução do contrato, pelo menos, 3 % do preço contratual; e
(ii) a taxa de variação homóloga do custo deve ser igual ou superior a 20%.
Uma vez demonstrado o preenchimento destes dois critérios de elegibilidade cumulativos – bastando, para esse efeito, que um material que seja usado na empreitada represente, ou venha a representar, pelo menos 3% do preço contratual e que tenha uma taxa de variação homóloga do custo igual ou superior a 20% - o empreiteiro terá direito à revisão extraordinária de preços, devendo observar os requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio.
Assim, o pedido de revisão extraordinária de preços a apresentar pelo Empreiteiro deverá:
a) ser remetido ao dono da obra, até à receção provisória da obra ou até 31 de dezembro de 2023, conforme a data que primeiro se verifique;
b) identificar, de forma devidamente fundamentada, a forma de revisão extraordinária de preços, de entre os métodos previstos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 6/2004, de 6 de janeiro, ou seja, por fórmula, por garantia de custos ou por método misto de fórmula e garantia de custos.
Uma vez demonstrado o preenchimento dos critérios de elegibilidade previstos no n.º 1 do artigo 3.º pelo empreiteiro, e observados os requisitos estabelecidos no n.º 2 do mesmo artigo, caberá ao dono da obra pronunciar-se no prazo de 20 dias consecutivos, a contar da receção do pedido, sob pena de aceitação tácita, sobre a forma de revisão extraordinária de preços proposta.
Se o dono da obra decidir não aceitar o pedido de revisão extraordinária de preços, este pode (rectius: deve), exclusiva e alternativamente, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio:
a) apresentar, de forma devidamente fundamentada, uma contraproposta;
b) realizar a revisão de preços segundo a fórmula contratualmente estabelecida, sendo, para os casos de revisão por fórmula, os coeficientes de atualização (Ct) resultantes dos respetivos cálculos multiplicados por um fator de compensação de 1,1, para pedidos realizados até 30 de junho de 2023ou 1,04 para pedidos realizados a partir de 1 de julho de 2023;
c) incluir determinados materiais e mão de obra com revisão calculada pelo método de garantia de custos, aplicando-se aos restantes a fórmula constante do contrato, sem qualquer majoração.
Se não houver acordo sobre a forma de revisão extraordinária de preços, os preços serão revistos, por força do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio, com base na contraproposta do dono da obra, ou, se o dono da obra não oferecer qualquer contraproposta, os preços serão revistos nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do referido diploma.
Quer isso dizer que, na ausência de contraproposta do dono da obra, e uma vez que o método de revisão de preços através de garantia de custos tem, na prática, uma expressão residual nos contratos de empreitada de obras públicas, os preços serão revistos através de fórmula, aplicando-se um fator de compensação de 1,1 sobre os coeficientes de atualização (Ct) para os pedidos realizados até ao dia 30 de junho de 2023, e de 1,04 para os pedidos realizados até ao dia 31 de dezembro de 2023.
A revisão extraordinária será, uma vez aceite pelo dono da obra, aplicada durante todo o período de execução da empreitada, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio, e substitui a forma e aplicação da revisão ordinária prevista nos contratos, nos termos do disposto no n.º 8 do mesmo artigo.
Além de estabelecer este mecanismo excecional de revisão extraordinária de preços, este diploma, agora vigente até 31 de dezembro de 2023, estabelece ainda no artigo 4.º um regime excecional de prorrogação de prazos, quando se verifiquem atrasos no cumprimento dos planos de trabalhos por impossibilidade de o empreiteiro obter materiais necessários para a execução da obra, por motivos que comprovadamente não lhe sejam imputáveis.
Também ao abrigo do artigo 5.º deste diploma, é excecionalmente admitida a adjudicação acima do preço base, estabelecendo-se que durante a vigência deste decreto-lei, as entidades adjudicantes podem recorrer ao disposto no n.º 6 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos, ainda que essa possibilidade não se encontre prevista no programa do procedimento.
João Abreu Campos | jac@servulo.com
Raquel Bernardino | rbe@servulo.com