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A Adjudicação de Serviços e a Transmissão de Unidade Económica

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 15 Abr 2021

20 alterações ao Código do Trabalho: Era a de abril necessária? 

No passado dia 8 de abril foi publicada a Lei n.º 18/2021, que estendeu expressamente o regime jurídico aplicável à transmissão de unidade económica a situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de fornecimento de serviços, concretizada por concurso público, ajuste direto ou qualquer outro meio.

O principal objetivo da alteração, de acordo com a informação difundida, prende-se com a necessidade de “reconhecimento dos direitos dos trabalhadores [sempre que estes] prestando o mesmo serviço, no mesmo local e nas mesmas condições, mudam de entidade empregadora, seja por via da contratação pública, seja por via da contratação de empresas concorrentes na prestação de serviços” (sublinhado nosso)[1]. 

Passa, assim, a ser expressamente mencionada a aplicação do regime de transmissão de unidade económica a casos de adjudicação de serviços por concurso público ou por outro meio de seleção, nos setores público e privado.

Trata-se, porém, na nossa perspetiva, de alteração de pendor essencialmente informativo, não inovador, uma vez que, desde há muito, o regime nacional e europeu acolhia, neste âmbito, um conceito muito abrangente e flexível de “ato translativo”.

Assim decorria, aliás, da extensa jurisprudência que reconduzia tais casos – conquanto adequadamente identificada uma “unidade económica” – ao regime legal da transmissão de empresa ou estabelecimento.

Veja-se, a título exemplificativo e no que à adjudicação de serviços respeita, o decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) em acórdão de 25 de janeiro de 2001.

Em causa estava um litígio entre a empresa de transportes coletivos de passageiros Oy Liikenne Ab e dois motoristas – Pekka Liskojärvi e Pentti Juntunen –, assente na recusa, por parte daquela, em conceder a estes últimos as mesmas condições de trabalho de que beneficiavam enquanto ao serviço do anterior empregador, após adjudicação à Oy Liikenne Ab dos referidos serviços, por concurso público.

No caso, a “sucessão” das empresas na prestação do serviço não foi, porém, acompanhada da transmissão de quaisquer ativos relevantes, relacionados com a exploração das carreiras de autocarros. Os condutores, partes no litígio, alegavam, não obstante, a verificação de uma transmissão de unidade económica entre as duas empresas e, em consequência, o direito a manterem as condições de trabalho de que beneficiavam enquanto ao serviço do anterior empregador.

Neste âmbito, o TJUE veio, mais uma vez, clarificar que um processo de adjudicação de serviços não exclui, por si só, a convocação do regime de transmissão de estabelecimento. Reiterou, contudo, que, para a aplicação de um tal regime, importa sempre identificar, em concreto, uma “entidade económica organizada de modo estável” transmissível (a unidade económica).

Para esse efeito, o TJUE atendeu, designadamente, (i) ao tipo de empresa, estabelecimento e setor de atividade em causa; (ii) à transferência de elementos corpóreos ou incorpóreos (equipamento, instrumentos de trabalho, instalações, know-how, marcas, licenças, etc.); (iii) ao valor dos elementos corpóreos no momento da transferência; (iv) à integração, ainda que parcial, dos trabalhadores pela nova entidade; (v) à transferência de clientela; e (vi) ao grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência.

Tendo em conta o setor e tipo de atividade em causa, o TJUE concluiu que a ausência de transferência, para a nova entidade, dos ativos corpóreos antes utilizados na exploração do serviço (os autocarros) assumia relevância significativa. Por conseguinte, ainda que parte dos trabalhadores houvesse sido integrada na nova entidade, foi entendido que a ausência de transmissão dos autocarros impunha concluir pela ausência de uma unidade económica transmissível e que, por isso, o regime de transmissão de estabelecimento não teria aplicação.

Atento o exposto, desde há muito que a adjudicação de serviços é abstratamente qualificável como ato translativo, com a consequente convocação do regime jurídico da transmissão de unidade económica, conquanto verificados os requisitos que conformam a caracterização de uma “unidade económica”, com base nos indícios jurisprudencialmente definidos.

Consideramos, por isso, que nada de novo resulta, no plano substancial, desta alteração legal, que tem, não obstante, o mérito de clarificar o que porventura subsistisse, para alguns operadores económicos, menos evidente.

Rita Canas da Silva | rcs@servulo.com

Madalena Gonçalves da Silva | mgs@servulo.com

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