Viver num bairro classificado: o que se ganha e o que se perde?
SÉRVULO IN THE PRESS 14 Mar 2024 in Sapo 24
A proteção do património é um tema cada vez mais abordado e, na capital, têm sido encetados diversos esforços para a classificação do património do município. Em entrevista ao SAPO24, o advogado Manuel Henriques, do Departamento de Direito Imobiliário da Sérvulo & Associados, esclarece inúmeras questões ligadas aos direitos deveres, nomeadamente o dever de informar a administração do Património Cultural, I.P. sobre alterações no imóvel e de ser o responsável pela conservação do bom estado do mesmo.
Como começa a classificação de um imóvel?
O advogado Manuel Henriques esclarece que, quando se fala em património cultural, fala-se de valores protegidos pela Constituição da República Portuguesa. Ou seja, são situações bastante protegidas por lei e com grande força por parte da entidade que promove a classificação. Sublinha também que um particular pode requerer o início de um processo de classificação de um imóvel. Isto é, qualquer pessoa, mesmo não sendo morador do imóvel ou até residindo no estrangeiro, pode espoletar este processo. Após receber este requerimento, a entidade responsável pelo património tem 60 dias úteis para dar uma resposta sobre se esse processo deve avançar, ou seja, se existe justificação histórica ou arqueológica para se proceder ao início da classificação. “Pode ser uma coisa que cai em cima do proprietário, apesar de existir uma triagem. Recebido este pedido pelo Património Cultural, I.P., este avalia se o pedido é descabido, ou seja, se por exemplo o edifício está demasiado adulterado ou não representa algo particularmente relevante, entre outros motivos.
No fim do prazo, o requerimento pode até ser indeferido, por não poder ser considerado um local de monumento, conjunto ou sítio”, refere Manuel Henriques.
Como é o caminho até à classificação?
Segundo o advogado, estes processos são muitas vezes conduzidos por entidades públicas com apoio de stakeholders organizados da sociedade civil, grupos de proteção do património e entidades que se dedicam a estes temas, o que aumenta a probabilidade de deferimento destes processos. Assim, nestas situações, os pareceres que podem fundamentar a classificação são recolhidos durante um ano. Durante este tempo, o imóvel designa-se como estando “em vias de classificação”. Ao fim desse ano, caso o processo seja deferido, o imóvel passará a “classificado”. Caso este ano passe, e se nos 60 dias seguintes a classificação não se efetivar, os interessados têm a possibilidade de comunicar que a entidade entrou em mora, ou seja, não cumpriu os prazos legalmente estabelecidos. A entidade pode proceder de duas formas distintas: ou não faz nada, e o processo caduca, tendo de ser iniciado novamente, ou prorroga esse prazo.
De acordo com Manuel Henriques, estes são processos da Administração Pública, são processos demorados, logo esta é uma situação recorrente. Nos 60 dias após o prazo de um ano, com a classificação iminente, os interessados podem contestar os elementos deste processo desde a fase “em vias de classificação”. O advogado sublinha que os interessados devem ser informados pelas entidades responsáveis pela classificação. No entanto, quando existem mais de 10 interessados, esta comunicação é efetuada via edital. Duas décadas depois, o Bairro das Estacas está finalmente "vias de classificação", mas não reina o consenso sobre se esta foi uma boa ou uma má notícia para quem lá vive.