Sérvulo Correia prepara livro sobre direito administrativo em Portugal
SÉRVULO IN THE PRESS 17 Jul 2018 in Açoriano Oriental
Sérvulo Correia Natural de Angra do Heroísmo, o advogado de 80 anos, antigo professor da Faculdade de Direito de Lisboa, revela o seu percurso de vida entre o direito, o ensino e a política. Em aberto está a apresentação de um último livro que será um testamento para as novas gerações
- Porque motivo se deslocou a Ponta Delgada?
Vim a Ponta Delgada, na companhia de alguns colegas, nomeadamente o professor Rui Medeiros e Paulo Câmara , que é o 'managing partner' da nossa sociedade de advogados, para efetuar a celebração de um acordo de parceria com o escritório do advogado Rodrigo de Oliveira. O modelo de parceria é flexível, com cada uma das partes a manter a sua autonomia e flexibilidade, não se estabelecendo regras de exclusividade, mas ficamos reciprocamente apoiados em caso de necessidade. Na advocacia, mesmo numa sociedade com alguma dimensão, existe sempre esta necessidade de apoio. Nós temos acordos de parcerias com sociedades de advogadas brasileiras, em Macau e em Cabo Verde. Quando existe a necessidade de trabalho em dois polos, temos uma estrutura.
- Chegar aos Açores é um passo natural da vossa sociedade de advogados?
Sim. No passado, chegamos a ter um escritório, que funcionou durante um ano. Tinha sido o promotor desse escritório, como açoriano, mas revelou-se que houve uma excessiva ambição. Inicialmente apresentei dois objetivos. Através da comunicação eletrónica poderia efetuar trabalho à distância, poderia trabalhar com advogados açorianos que pretendem continuar a viver no arquipélago, e pudessem participar num tipo de advocacia global. A outra ideia, talvez ainda mais fantasiosa, seria com o tempo criar um polo de conhecimento em direito da União Europeia, perspetivado, em função das necessidades de conhecimento de sociedades americanas. Em vez de voarem para Bruxelas poderiam viajar para os Açores. Seria um projeto a longo prazo, mas verificamos que não tínhamos condições para esperar.
- Como foi o escolhido o parceiro nos Açores?
Quem o indicou e escolheu foi o advogado Nuno Teixeira, nosso parceiro no Funchal, que conhece o advogado Rodrigo Oliveira há muito tempo. Desenhou um perfil que nos chamou a atenção e, após diversos contactos, consideramos que merecia toda a nossa confiança e admiração.
- Que matérias estão disponíveis para trabalhar?
Não trabalhamos em direito de família, direito sucessório e direito de arrendamento. Nós somos uma sociedade com cerca de 70 advogados, mais 20 trabalhadores de outras áreas, e dedicamo-nos ao tipo de trabalho que, pela sua natureza, e volume dos interesses em causa, assegure uma remuneração que não leve a perder dinheiro por hora de trabalho. Nós, geralmente, funcionamos com um sistema de débito por hora, aplicando um limite máximo que não será ultrapassado. Vamos registando as horas de trabalho e apresentamos o valor, periodicamente, ao cliente.
- Estão mais direcionados para o direito administrativo?
Sim. A sociedade começou a trabalhar na área do direito administrativo, porque era professor de direito administrativo na faculdade. Já antes de ser professor tinha especializado a minha advocacia na área do direito administrativo. Sempre optei por trabalhar numa área de especialidade, para não dispersar muito a minha atividade, porque depois não teria tempo para estudar outras matérias. Comecei a ser mais conhecido na área do direito administrativo, afazer publicações nas revistas da especialidade, participava em conferências. Consegui receber uma procura de diversos trabalhos na área administrativa que me permitiu deixar tudo o resto. Como professor, mesmo como assistente, tive uma série de bons alunos que me pediram para fazer o estágio de advocacia no meu escritório. Desta forma formou-se um núcleo de advogados, especializados no direito administrativo. Criamos uma sociedade de advogados e, rapidamente se chegou-se à conclusão que não poderíamos trabalhar apenas no direito administrativo, e incluímos também o direito constitucional. Precisávamos de apoio em direito fiscal, direito con-traordenacional e fomos alargando para outras áreas. Atualmente, conseguimos cobrir a maior área de práticas de prestações de serviços a empresas e instituições públicas.
- Esteve numa conferência em Ponta Delgada, onde falou sobre a gestão do mar e as relações da Região com a República. Que opiniões apresentou sobre esta matéria?
Existe uma legislação de 2014 e um decreto-lei de 2016 que concentram no Governo da República as decisões mais importantes da gestão e ordenamento do espaço marítimo nacional, sem fazer grande distinção do espaço adjacente às regiões autónomas. Existe, a meu ver, uma justificada insatisfação que levou o Governo Regional a apresentar uma anteproposta de lei, que modificaria essa lei de bases de 2014. Depois será necessário haver critérios para definir as áreas marítimas adjacentes às regiões autónomas, para concentrar nessas regiões as competências para abrir um procedimento de ordenamento da gestão, denominados de planos de situações e planos de afetação. A ideia será permitir que, em relação às áreas adjacentes, as decisões caibam aos órgãos das regiões autónomas. Sem que haja uma separação total da atividade ordenadora do Estado e da Região, porque existem sempre algumas ligações, por isso, a proposta de alteração de lei prevê um sistema cruzado de pareceres vinculativos.
- Estudar e apresentar este tema foi quase um regresso aos tempos de professor universitário?
Sim. Já saí da universidade aos 70 anos. Fiquei com o título de professor jubilado, tendo ensinado "pro-bono" durante alguns anos porque havia falta de professores. Ainda dou algumas aulas, em cursos de pós-graduação, porque sinto-me muito ligado há Faculdade de Direito de Lisboa. Entrei na faculdade com 16 anos, algo que hoje não seria possível. Esta foi a instituição que me acompanhou ao longo da vida.
- Como é que regista a evolução que houve nos profissionais que trabalham na área do direito em Portugal?
Houve uma massificação do ensino de direito. Quando estudava apenas havia duas faculdades de direito, mas agora existem muitas faculdades. Isto conduziu a uma massificação do curso de direito que, com a passagem do tempo, trouxe problemas de empregabilidade. Sou advogado desde 1962 e verificamos que existem novas perspetivas de trabalho nesta área. Quando tinha 22 anos ainda encarei a hipótese de me candidatar para a magistratura. Na altura tinha de me candidatar para delegado do Ministério Público e depois seguia para a magistratura judicial. Desisti dessa ideia porque, nesse tempo, os magistrados eram muito mal pagos em Portugal. Não tinha meios de fortuna e não queria prejudicar os meus futuros filhos (mais tarde viria a ter sete filhos), por isso, segui a carreira na advocacia.
- Provavelmente os magistrados continuam, hoje em dia, a serem mal pagos?
Eles acham que sim. Não sei fazer comparações, mas são, incomparavelmente, melhor pagos do que eram há 30 ou 40 anos.
- Na década de 70 fez uma inclusão pela política, chegando a ser secretário de Estado. Porque dedicou pouco tempo à política?
A minha passagem pela política foi curta, iniciou-se em 1974, após o 25 de Abril, como secretário de Estado do governo provisório e depois como deputado na I Assembleia da República, eleita em 1976, mas suspendi o mandato em 1979 A minha ligação à política resume-se entre 1974 e 1979- Tinha a noção que se continuasse mais dois ou três anos na política iria estar muito desatualizado em relação ao estudo do Direito. Uma pessoa com vocação académica, não se limita a acompanhar a evolução da legislação e jurisprudência, porque é preciso acompanhar o desenvolvimento da teoria jurídica em Portugal, mas também na Alemanha, Itália, França e, mais recentemente, em Inglaterra e Estados Unidos da América. Como não tinha recursos próprios iria ficar, totalmente, dependente de tudo se continuasse na política. Também se estivesse ligado à política não iria concluir o doutoramento. O meu pai, que foi professor e reitor do liceu de Angra do Heroísmo, sempre insistiu para voltar ao mundo académico e acabasse o doutoramento. Não lamento os anos em que estive na política, porque no início a Assembleia da República carecia de bons juristas, como foram os casos do professor Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República. Participei nesse movimento de democratização, pela viajurí dica, com gosto, mas sabendo que era uma comissão de serviço.
- O que ainda lhe falta fazer?
Gostaria de fazer um livro sobre teoria geral do Direito Administrativo que fosse uma síntese refletida do meu estudo. Seria uma espécie de testamento teórico, não para impor a minha forma de pensamento, mas para deixar o meu contributo de reflexão.
- Como é que está a preparação dessa obra?
Ainda estou no fim do primeiro capítulo, mas os meus sócios têm insistido para deixar de aceitar outros trabalhos na sociedade de advogados. Vou seguir esse conselho e vou deixar de aceitar tra-balhos. Neste momento, estou ainda muito ocupado com trabalhos complexos que motivam a paragem de trabalho no livro.
- Aos 80 anos ainda trabalha em casos concretos?
Sim. Também trabalho em casos no tribunal administrativo. Não vou às audiências, mas apresento as alegações, por escrito. Custa sempre a uma pessoa se desligar de fazer aquilo que sempre fez ao longo da sua vida. Sempre que existe um caso onde podemos levar o Supremo Tribunal a alterar a sua jurisprudência, intervenho com o apoio de alguns colegas mais novos.
- Acaba por ser um desafio?
Sim. O risco é depois não conseguir acabar o livro, que pretende ser um testamento para as novas gerações.
Encontre a notícia na integra no jornal Açoriano Oriental, aqui.