Filipa Névoa assina artigo sobre o investimento em projetos de energias renováveis em Portugal e as dificuldades ao nível da implementação dos projetos
SÉRVULO IN THE PRESS 17 May 2024 in Jornal de Negócios
“Como é sabido, o investimento em projetos de energias renováveis em Portugal tem tido um crescimento exponencial e os operadores naturalmente contam para as suas decisões de investimento com as opções que nesta matéria foram adotadas pela União Europeia e por Portugal ao nível da sua legislação interna. O Decreto-lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 72/2022, de 19 de outubro, transpondo para a ordem jurídica portuguesa o Regulamento (UE) 2022/2577 do Conselho, de 22 de dezembro de 2022 que estabelece um regime para acelerar a implantação das energias renováveis, veio simplificar os procedimentos de autorização de produção de energia a partir de fontes renováveis, introduzindo, no que concerne ao controlo urbanístico destes projetos, a figura da comunicação prévia com prazo.
Pretendeu-se estabelecer um regime mais favorável do controlo prévio urbanístico da instalação de centros eletroprodutores de energias renováveis, de instalações de armazenamento, de UPAC e de instalações de produção de hidrogénio por eletrólise a partir da água, de forma a dar cumprimento aos objetivos de aceleração dos projetos de energias renováveis, que não era compatível com os procedimentos de controlo gerais previstos no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-lei n.º 555/99, de 26 de dezembro.
As dificuldades ao nível da implementação dos projetos são infelizmente uma realidade em muitos concelhos do país, algumas vezes por clara “antipatia política” e resistência das populações e muitas vezes como consequência do desconhecimento e errada interpretação e aplicação das normas que a este propósito se encontram em vigor desde 2022. Com efeito, o artigo 4.º-a do acima referido Decreto-lei n.º 30-A/2022 veio estabelecer um regime altamente simplificado de comunicação prévia com prazo, no qual as câmaras municipais apenas são chamadas a decidir se pretenderem rejeitar a operação urbanística e, ainda assim, com fundamentos especificamente previstos na lei.
O diploma estabelece um prazo de 8 dias úteis para a rejeição da comunicação prévia na fase de saneamento, com fundamento na falta de elementos instrutórios quando os mesmos sejam legalmente exigidos, sendo que a falta de elementos instrutórios legalmente exigíveis relacionados com a identificação do requerente, pedido, localização da operação urbanística a realizar, parecer, autorização, licença ou registo legalmente exigido, que seja indispensável ao conhecimento da pretensão e cuja falta não possa ser oficiosamente suprida, dá lugar, no mesmo prazo de oito dias, à notificação do interessado para aperfeiçoar o pedido, indicando os elementos em falta ou juntando os documentos exigíveis.
Se, esgotado o prazo legalmente previsto para aperfeiçoar ou para rejeitar liminarmente uma comunicação prévia, a Câmara Municipal (i) não tiver suprido oficiosamente a falta de elementos instrutórios que poderia oficiosamente suprir, e (ii) não tiver notificado o interessado por aperfeiçoamento da comunicação prévia, presume-se que o requerimento se encontra corretamente instruído, não podendo, posteriormente a Câmara Municipal vir suscitar questões relativas ao saneamento do pedido, nem tão pouco proceder posteriormente à rejeição liminar com fundamento na falta ou deficiência de elementos instrutórios. Por outro lado, de acordo com o n.º 5 do mesmo artigo 4.º-a do diploma vindo de referir, perante a ausência de um despacho de aperfeiçoamento ou de rejeição liminar no prazo legalmente previsto, a comunicação prévia poderá, ainda assim, ser rejeitada no prazo de 30 dias, com fundamento em questões referentes à conformidade do projeto com as normas urbanísticas aplicáveis.
A figura da comunicação prévia com prazo exige uma decisão expressa de rejeição no prazo referido e a sua especificidade consiste no facto de a falta de decisão ou a decisão nesse prazo fazer constituir de forma imediata o direito do interessado a executar a operação urbanística a que se refere a comunicação prévia. Ora, o que tem vindo a verificar-se é um prática de decisões expressas de rejeição em manifesta violação dos prazos e dos fundamentos admissíveis, nomeadamente decisões de rejeição com fundamento em falta ou deficiência dos elementos instrutórios após o decurso do prazo de 30 dias. A instabilidade e insegurança criadas com este procedimento é manifesta: o promotor conta com o direito a iniciar a execução do projeto (após o pagamento das taxas) que o legislador diz ter-se constituído com a não rejeição no prazo e de repente vê-se confrontado com uma decisão expressa de rejeição claramente ilegal, mas que inverte o ónus e coloca nos “ombros” do promotor a necessidade de recorrer à via contenciosa, nos tribunais administrativos.