Direitos religiosos são prioritários "em relação a qualquer outra atividade de natureza educativa ou cultural"
SÉRVULO IN THE PRESS 18 Jan 2021 in Sapo24
Com o agravamento da situação epidemiológica em Portugal foram, recentemente, conhecidas as exceções ao novo confinamento. Contrariamente ao que aconteceu no primeiro confinamento, este traz consigo a possibilidade de se manterem as cerimónias religiosas e muitos são os que questionam esta medida. A Sapo24 foi saber a resposta junto de especialistas em matéria constitucional.
[…] O Decreto n.º 14-A/2020, de 18 de março, que declarou o estado de emergência pela primeira vez durante a pandemia, referia que o exercício de alguns direitos ficavam "parcialmente suspenso", entre eles a "liberdade de culto, na sua dimensão coletiva". Desta forma, poderiam "ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que impliquem uma aglomeração de pessoas".
Foi a primeira vez que o país trancou portas devido ao novo coronavírus. Agora, com o Decreto n.º 6-B/2021, que declara o nono estado de emergência, Portugal volta a estar fechado em casa — mas existem diferenças. Uma delas diz respeito às celebrações religiosas, que não sofrem qualquer proibição neste decreto.
[…] Qual o motivo que leva a que os espetáculos culturais sejam cancelados, enquanto as diferentes confissões religiosas podem continuar com os seus momentos de culto? A resposta está na Constituição.
"Poderíamos achar estranho ou incoerente uma atividade ser permitida e outra ser proibida, mas neste caso não há incoerência porque cada cidadão tem um amplo leque de direitos fundamentais, mas a Constituição precisa de escolher aqueles que são considerados mais prioritários para a sua realização pessoal, para as suas crenças mais profundas, para a sua consciência", explicou Pedro Fernández Sánchez, professor da Faculdade de Direito de Lisboa e sócio da SÉRVULO.
"Por isso, desde a versão inicial da Constituição, definiu-se que os direitos fundamentais prioritários, além da própria vida e da integridade física — que esses eram inevitáveis —, eram exatamente os direitos do foro criminal e também a liberdade de consciência e de religião", aponta.
[…] Para o sócio do departamento de Direito Público da SÉRVULO, a justificação é imediata: "está em causa o conjunto de crenças mais profundas de um cidadão, cuja violação feriria as suas crenças pessoais". Desta forma, "suspender espetáculos culturais ou até atividades políticas, de forma apenas temporária, não implica uma lesão grave da consciência de cada um. Proibir a realização de atos religiosos, isso sim, é muito mais grave para a consciência do cidadão".
"Aliás, um dos principais testes para identificar onde está um Estado de Direito e um Estado que não é de Direito é precisamente saber como é que ele trata a liberdade de religião e de consciência. Antes do 25 de Abril, uma das principais facetas do regime autoritário que existia em Portugal era usar razões de alegado interesse público como pretexto para afastar a liberdade de religião e de consciência" […]
Há outro aspeto a ter em conta: o princípio da igualdade. "Se uma entidade de maior dimensão, como uma Igreja que tenha um maior número de fiéis, for autorizada a ter cerimónias religiosas, então o mesmo regime tem de ser reconhecido a qualquer confissão religiosa que seja minoritária, desde que seja reconhecida em Portugal", explica o professor. "Na medida em que seja reconhecida, a própria lei da liberdade religiosa assegura um princípio de igualdade entre as várias confissões. O que seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade seria permitir a uma confissão religiosa maioritária manter as suas cerimónias religiosas e não permitir o mesmo direito às confissões minoritárias".
Leia a entrevista completa em Sapo24, aqui.