Contratos de cooperação "horizontal" entre entidades públicas
SÉRVULO IN THE PRESS 01 Dec 2017 in Advocatus
UMA DAS NOVIDADES MAIS AGUARDADAS NA REVISÃO do Código dos Contratos Públicos ("CCP") — concretizada pelo Decreto-Lei n.° 111-B/2017, de 31 de agosto — é o alargamento que foi concedido à contratação interadministrativa excluída da contratação pública, isto é, aos contratos celebrados diretamente entre entidades públicas que podem ser concluídos sem a necessidade da tramitação dos procedimentos previstos no CCP, nomeadamente de procedimentos concorrenciais.
Ao lado das novidades já esperadas no que toca à contratação in-house —permitindo-se, por exemplo que entidades que integrem o mesmo grupo jurídico--institucional contratem diretamente com as entidades "mães" que as controlam (in-house invertido) e com entidades "irmãs" controladas pela mesma entidade "mãe" (in-house horizontal) —, surge agora a consagração da figura dos contratos de cooperação entre entidades públicas para a realização das respetivas missões de interesse público.
Ao contrário da contratação in-house, esta nova exclusão não pressupõe que as entidades públicas contratantes estejam entre si numa relação de dependência jurídica e económica (nenhuma entidade tem que controlar a outra), antes apresentando como traço característico essencial o facto de o contrato estabelecer "uma cooperação entre as entidades adjudicantes, no âmbito de tarefas públicas que lhes estão atribuídas e que apresentam uma conexão relevante entre si" (cfr. artigo 5.°-A, n.° 5 do CCP). Pense-se, por exemplo, num contrato celebrado por uma de autoridade de proteção civil com um laboratório público para a análise de riscos sísmicos de determinadas edificações do Estado. Ou de uma entidade com atribuições na área da conservação da natureza contratualizar com os municípios a monitorização de determinadas espécies de fauna ou flora.
Esta é uma boa notícia para as entidades públicas e, seguramente, para os próprios contribuintes. Isto porque a leitura das instâncias europeias sobre a exclusão dos contratos entre entidades públicas do âmbito de aplicação das Diretivas da contratação pública é tradicionalmente restritiva, o que, de resto, representa um paradoxo difícil de compreender. Com efeito, e como foi bem sentido em Portugal nos anos recentes, de um lado as instâncias europeias impõem aos Esta-dos-Membros programas agressivos de controlo orçamental e da redução "estrutural" da despesa pública como condição do funcionamento do mercado interno e do sistema monetário europeu. Isto faria porventura antecipar uma atitude "amiga" dos instrumentos que promovem a contratação interadministrativa, para que estas apenas recorressem ao mercado quando não pudessem aproveitar as capacidades infraestruturais, técnicas e humanas instaladas noutras entidades públicas.
Cada euro gasto pelas entidades adjudicantes dentro do perímetro das entidades públicas, é, no final do dia, um euro a menos a agravar despesa pública, ideia que tem inclusivamente levado os Estados-Membros a consolidar um princípio do autoaprovisionamento ou de preferência pelo autoaprovisionamento público. Contudo, esta aparente evidência contrasta com os obstáculos que o legislador europeu e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE") têm tradicionalmente colocado à possibilidade de as entidades públicas contratarem diretamente umas com as outras. Vale a pena lembrar os apertadíssimos requisitos da contratação in house definidos nas Diretivas de 2004 e que a jurisprudência criativa do TJUE não tardou em agravar.
Entre nós, isso levou, por exemplo, às dificuldades de o Estado contratar diretamente a Parque Expo S.A., empresa integralmente por si detida, para lhe prestar serviços na área da consultadoria e planeamento urbanístico, o que muito contribuiu para a perda de capacidades instaladas no setor público e para a extinção da própria Parque Expo. E muitos outros exemplos deste tipo se poderiam encontrar das dificuldades que as entidades públicas encontraram quando pretenderam recorrer às competências de outras entidades também elas financiadas pelo erário público. É um paradoxo que evidencia um certo desnorte das pulsões liberais das instâncias europeias, que, se de um lado exigem contenção orçamental e o controlo das dívidas soberanas, do outro sacrificam recursos públicos no altar da concorrência, acabando por impor o outsourcing a privados "à força".
Esta abordagem restritiva da contratação interadministrativa "excluída" também esteve presente nos primeiros Acórdãos do TJUE que admitiram os contratos de cooperação para a realização de tarefas públicas. Todavia, o legislador europeu, e agora o CCP, rejeitaram as propostas mais conservadoras nesta matéria avançadas pela Comissão e acabaram por acolher a figura com relativa generosidade.
Assim, admitem-se como excluídos das regras da contratação pública os contratos de cooperação para a realização de tarefas públicas das entidades contratantes, salvaguardando-se que "a cooperação tem que ser regida exclusivamente por razões de interesse público" — o que coloca sérios limites à subcontratação de entidades privadas e elimina a hipótese da participação de capital privado nas entidades públicas contratantes — e exige que "as entidades adjudicantes não exerçam no mercado livre mais de 20% das atividades abrangidas pelo contrato de cooperação".