A legalidade dos acordos para não gozo de férias
SÉRVULO IN THE PRESS 23 Mar 2018 in Jornal Económico
O Código do Trabalho permite que o trabalhador abdique do gozo de dias de férias que excedam 20 dias úteis, ou a correspondente proporção no caso de férias no ano de admissão, sem que exista qualquer penalização retributiva.
Não é despiciendo o número de situações em que, por motivos diversos mas maioritariamente relacionados com necessidades empresariais, é acordado o pagamento de férias vencidas e não gozadas, por vezes acumuladas ao longo de vários anos. Por regra e na tentativa de legitimar tal situação, esse pagamento é frequentemente acompanhado de um acordo ou de uma declaração do trabalhador, em que este renuncia expressamente ao gozo das ditas férias.
No entanto, e apesar de bastante frequente, esta prática apenas será legítima quando estejamos perante uma renúncia parcial e limitada dos dias de férias. Na verdade, o Código do Trabalho permite que o trabalhador abdique do gozo de dias de férias que excedam 20 dias úteis, ou a correspondente proporção no caso de férias no ano de admissão, sem que exista qualquer penalização retributiva, continuando à retribuição e ao subsídio relativos ao período de férias vencido, que cumulam com a retribuição do trabalho prestado nesses dias (n.º 5, do artigo 238.º). A par desta faculdade, o trabalhador tem também a opção de renunciar a dias de férias com o objetivo de compensar a perda de retribuição por motivo de faltas, eliminando, assim, o decréscimo retributivo resultante da ausência (n.º 1, al. a), do artigo 257.º). Esta possibilidade está, no entanto, sujeita aos limites acima referidos.
Porém, excetuando as situações supracitadas, “o direito a férias é irrenunciável e o seu gozo não pode ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação, económica ou outra”, conforme decorre do Código do Trabalho (n.º 3, do artigo 237.º). Tal irrenunciabilidade tem fundamento na natureza de direito fundamental do direito a férias, o que conduz a que qualquer acordo ou declaração do trabalhador no sentido de renunciar ou abdicar do direito em questão careça de validade legal.Em consequência, o impedimento de gozo anual de férias consubstancia uma contraordenação grave e determina ainda que o trabalhador tenha direito a uma compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, nos casos em que se entenda que o empregador obstou culposamente ao gozo das férias.
Aqui chegados, assume relevância concretizar que se entende por “obstar culposamente” ao gozo das férias, expressão que tem suscitado dúvidas interpretativas, havendo quem entenda que tal apenas se verifica quando o empregador se haja oposto de forma ativa a esse gozo (no que poderá incluir-se os referidos acordos para não gozo de férias) e, ao invés, quem defenda que bastará uma conduta omissiva por parte do empregador – nomeadamente, a não marcação das férias, a qual consubstancia um dever que impende sobre o empregador.
Perante esta divisão de entendimento, cumpre referir o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/10/2005, cuja posição assumida neste tema é mais branda, referindo que “a simples não marcação das férias não é suficiente para concluir que o empregador obstou ao seu gozo” e que “o termo obstar exige mais do que a simples inércia do empregador na concessão do gozo de férias; pressupõe uma atitude voluntária e consciente nesse sentido”. De notar, assim, que o juízo de apreciação sobre se o empregador obstou de forma culposa ao gozo das férias será sempre realizado em sede judicial, alertando para o facto de que a culpa do empregador se presume. Sendo inegável que este tipo de acordos são uma ferramenta bastante utilizada na gestão dos recursos humanos das empresas é, no entanto, uma prática que deverá ser evitada, devendo procurar-se assegurar o gozo anual dos períodos de férias, nos termos legalmente previstos.
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