A armadilha do unconscious bias
SÉRVULO IN THE PRESS 17 Feb 2021 in Eco
Muitos de nós dirão não ter preconceitos, sejam estes baseados em raça ou etnia, género, religião, orientação sexual ou qualquer outro motivo. Mas será que isso é assim tão certo?
Quando o YouTube criou uma app que permitia que os seus utilizadores fizessem o upload dos seus vídeos, descobriu que 5% a 10% desses vídeos estavam de pernas para o ar. Sendo um número alto para se dever apenas à inépcia dos seus utilizadores, o YouTube decidiu investigar o fenómeno e descobriu que, na verdade, o erro era causado por um defeito de design da própria app. É que os vídeos eram filmados por esquerdinos que pegavam no seu telefone de maneira diferente (rodando-o 180 graus) e que, por isso, filmavam os seus vídeos com o telemóvel ao contrário. Inadvertidamente, o YouTube tinha criado uma app que servia melhor os seus consumidores destros do que os utilizadores esquerdinos.
O problema foi corrigido rapidamente, mas a questão não ficou por aqui e o YouTube quis investigar como é que isto tinha acontecido. E as conclusões foram surpreendentes: a aplicação funcionava melhor para destros porque tinha sido criada por uma equipa de desenvolvimento que era constituída quase exclusivamente por… destros.
Naturalmente, ninguém acha que o grupo de pessoas que compunha esta equipa do YouTube conspirou intencionalmente para excluir utilizadores esquerdinos ou que o YouTube tinha propositadamente só contratado programados destros. Mas isso não mudava os factos: o produto final não funcionava da mesma maneira para os dois tipos de consumidores e ninguém parecia ter-se apercebido disso.
Ora, este é um excelente exemplo de um fenómeno chamado unconscious bias ou preconceito implícito. Como qualquer outro tipo de preconceito, também resulta do somatório das nossas experiências e normas sociais e influencia todas as nossas ações e pensamentos diários. Mas tem uma diferença fundamental: a maioria de nós não tem consciência que o faz.
É por conta deste preconceito que qualquer um de nós pode, a qualquer momento, ter tendência para assumir um determinado resultado em função de determinadas premissas. É o unconscious bias que fará com que alguns (muitos) de nós assumam que um atleta de equitação deve pertencer à classe média-alta por oposição a um praticante de futebol. Ou que nos fará assumir, pelo menos num primeiro momento, que uma pessoa chamada João tem de ser um homem e não uma mulher.
E se, nalguns destes casos este unconscious bias até pode ser inocente (ou, pelo menos, assim gostaríamos de pensar), a verdade é quem o pré-conceito está lá e o resultado continua incorreto e, em muitos casos, não é inocente. Um empregador que assuma que uma das suas trabalhadoras que foi mãe já não está tão interessada na carreira (porque já viu isso acontecer ou porque acha expetável que assim seja) pode entender que não a deve promover. Se perguntarmos a este empregador se ele acha que está a discriminar esta trabalhadora, ele até pode entender que lhe está a fazer um favor. Mas a verdade é que o tratamento que dará a essa colaboradora quando comparada com um outro colaborador ou até com uma colaboradora que não é mãe será…diferente. E o motivo é, apenas, o pré-juízo feito pelo empregador.
Todos sofremos inevitavelmente de unconscious bias. A dificuldade – e o repto que aqui deixo – é educarmos à nossa volta para identificar e resistir ao unconscious bias. Aí sim, poderemos dizer que não temos preconceitos.
Encontre o artigo de opinião no jornal Eco.