Tribunal Constitucional: CESE aplicada às empresas produtoras de energias renováveis declarada inconstitucional
SÉRVULO PUBLICATIONS 17 May 2024
Foi publicado no dia 23 de abril de 2024, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 338/2024, proferido no âmbito do processo n.º 987/2023, que decidiu julgar inconstitucional o Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), concretamente a norma que prevê a incidência subjetiva deste tributo sobre os centros electroprodutores com recurso a fontes de energia renováveis, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Embora o Tribunal Constitucional já tivesse em anteriores decisões tomado posição sobre o Regime Jurídico da CESE, esta foi a primeira vez que se pronunciou pela inconstitucionalidade deste regime, quando aplicado aos centros electroprodutores com recurso a fontes de energia renováveis.
O Regime Jurídico da CESE foi introduzido pela Lei n.º 83–C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014.
A aprovação da CESE visou o financiamento de mecanismos de promoção da sustentabilidade sistémica do setor energético, objetivo prosseguido através da constituição do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril.
A vigência de um regime que se previa extraordinário, tem vindo a ser sucessivamente prorrogado, mantendo-se, ainda, atualmente em vigor.
Inicialmente, no Regime Jurídico da CESE previa-se a isenção para a produção de eletricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis, abrangidos por regimes de remuneração garantida.
Na Lei do Orçamento do Estado para 2019, o Governo eliminou esta isenção e desde então que a CESE passou, também, a ser aplicável aos centros produtores de eletricidade que utilizem fontes de energias renovável.
Desde o seu primeiro ano de aplicação que a CESE foi contestada pelos contribuintes perante os tribunais judiciais e arbitrais.
O Tribunal Constitucional tomou posição sobre a inconstitucionalidade do Regime Jurídico da CESE, pela primeira vez, no seu Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro, tendo concluído que a CESE tinha a natureza de uma contribuição financeira, sujeita ao princípio da equivalência e que o Regime Jurídico da CESE não se afigurava inconstitucional.
Porém, em virtude das sucessivas alterações introduzidas no Regime Jurídico da CESE, o Tribunal Constitucional veio alterar a sua posição, por considerar que essas descaracterizaram a CESE, enquanto contribuição financeira, porquanto deixou de se verificar um nexo entre os sujeitos passivos e as finalidades do tributo. E, nessa perspetiva, a CESE passou a ter as características de um imposto.
No recente Acórdão de 23 de abril, o Tribunal Constitucional segue o entendimento já vertido nas decisões proferidas quanto à inconstitucionalidade da aplicação da CESE às entidades comercializadoras grossistas de petróleo, às entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural e, bem assim as que sejam titulares de licenças de distribuição local de gás (Acórdãos n.º 101/2023, 196/2024 e Acórdão n.º 197/2024).
Para o Tribunal Constitucional não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas detentoras de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável os encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico, uma vez que a dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada por estas empresas, nem a redução da dívida beneficia estas mesmas empresas. Inexiste, assim, uma relação entre a contribuição e a prestação genérica e presumida.
E, por isso, o Tribunal Constitucional entende que a CESE não pode ser qualificada como uma contribuição financeira, configurando-se antes como um imposto, concluindo pela inconstitucionalidade do Regime Jurídico da CESE, por violação do princípio da igualdade, na parte em que se considera este tributo aplicável aos centros electroprodutores com recurso a fonte renovável.
Tendo a decisão do Tribunal Constitucional sido proferida no âmbito de um processo de fiscalização concreta, o seu efeito produzir-se-á apenas no processo em causa que lhe deu origem.
No entanto, não se poderá ignorar esta tomada de posição pelo Tribunal Constitucional que vem validar os argumentos invocados pelas empresas detentoras de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável no contencioso já em curso.
Esta decisão do Tribunal Constitucional poderá, ainda, vir a ser invocada em sede de contestação dos atos de liquidação da CESE, através de apresentação reclamação graciosa e de impugnação judicial ou até através da apresentação de um pedido de revisão oficiosa destes atos.
Patrícia Guerra Carvalhal | pgc@servulo.com
Beatriz Negrão Gago | bng@servulo.com