Simplex Urbanístico – Algumas alterações à tramitação procedimental e ao regime do deferimento tácito
SÉRVULO PUBLICATIONS 22 Jan 2024
A simplificação da atividade administrativa por via da eliminação de licenças, autorizações, atos administrativos, bem como de outros encargos administrativos desproporcionais que, em simultâneo, impliquem custos acrescidos (sobretudo para o setor privado) e não contribuam, efetivamente, para a prossecução do interesse público é o mote que deu origem, designadamente, às alterações ao regime jurídico da urbanização e edificação (o “RJUE”).
Entre as principais alterações ao RJUE, contam-se modificações relevantes ao regime da tramitação dos procedimentos urbanísticos e dos respetivos prazos e, bem assim, do deferimento tácito das pretensões urbanísticas sujeitas a licenciamento, que entrarão em vigor no dia 4 de março de 2024. Elencamos abaixo as principais modificações neste âmbito.
Tramitação de procedimentos: saneamento, apreciação liminar e consulta a entidades externas aos municípios
a) Os prazos de decisão dos procedimentos urbanísticos passarão a contar-se da data da submissão do pedido, ao contrário do que sucede na presente data;
Atualmente, os prazos de decisão dos procedimentos urbanísticos começam a contar-se, alternativamente, (i) da data da receção do pedido ou dos elementos solicitados pela Administração Pública (a Administração) com vista ao aperfeiçoamento do pedido, (ii) da data da receção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas, ou (iii) do termo do prazo para a receção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data;
b) O procedimento urbanístico apenas ficará suspenso na fase de saneamento e apreciação liminar se o requerente demorar mais de 10 dias a responder à notificação da Administração com vista ao aperfeiçoamento do pedido;
c) Se a Administração não apresentar o convite para aperfeiçoar o pedido ou comunicação no prazo legalmente previsto de 15 dias, não poderá solicitar quaisquer correções ou informações adicionais;
d) A Administração não poderá indeferir a pretensão urbanística com fundamento na incompleta instrução do pedido se não ocorrer rejeição liminar ou convite para aperfeiçoar o pedido ou comunicação no prazo legal de 15 dias previsto para o efeito;
e) Em caso de pedidos de consultas, pareceres ou autorizações, o procedimento deverá continuar durante o hiato temporal que decorre entre o pedido de parecer, autorização ou consulta e a sua emissão ou o decurso do respetivo prazo;
f) O procedimento prossegue, considerando-se haver concordância da entidade consultada, sempre que as consultas, pareceres ou autorizações previstas no artigo 13.º do RJUE incidirem sobre áreas geográficas que não sejam abrangidas pelo regime jurídico que motivou o pedido de consulta, de parecer ou autorização, sendo estes últimos desconsiderados;
g) As câmaras municipais ficarão impedidas de solicitar novos pareceres em matéria de património cultural, para efeitos do indeferimento com fundamento no prejuízo causado ao património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado sempre que se trate de pedido de licenciamento de imóvel classificado como de interesse nacional ou interesse público e for solicitado parecer do Património Cultural, I. P., ou às CCDR, I.P..
Notas:
- O pedido e emissão de pareceres a entidades integradas na Administração Pública, a empresas públicas ou a concessionárias passará a ser obrigatoriamente efetuado através do Sistema Informático para a Emissão de Pareceres, a partir do dia 6 de janeiro de 2025.
- Este sistema não permitirá o envio de pareceres quando o prazo para a sua emissão se tenha esgotado.
Alargamento dos prazos para decisão e deferimento tácito nos licenciamentos
Os prazos de decisão dos pedidos de licenciamento serão alargados. A fixação dos prazos dos procedimentos urbanísticos passará a ter em conta não só o tipo de operação urbanística, mas também a área bruta de construção dos imóveis objeto das operações urbanísticas e, bem assim, a sua sujeição ao regime jurídico do património cultural imóvel, em particular, ao regime da classificação dos bens imóveis.
Os novos prazos de licenciamento serão os seguintes:
a) 120 dias, no caso de obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção igual ou inferior a 300 m2;
b) 150 dias, no caso de obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção superior a 300 m2 e igual ou inferior a 2200 m2, bem como no caso de imóveis classificados ou em vias de classificação;
c) 200 dias, no caso de obras de urbanização, operações de loteamento e no caso de obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção superior a 2200 m2.
Os atos emitidos no âmbito de procedimentos de licenciamento (incluindo o deferimento final e a aprovação dos projetos de arquitetura) passarão a estar sujeitos ao regime do deferimento tácito. I.e., ainda que a Administração não se pronuncie ou não notifique o requerente no prazo de decisão legalmente previsto para a emissão de atos no âmbito de procedimentos de licenciamento, após o decurso do mesmo, os pedidos para a sua emissão considerar-se-ão tacitamente deferidos.
Nos casos de deferimento tácito das decisões finais sobre pedidos de licenciamento, a formação de deferimento tácito passará a consubstanciar a licença para a realização da operação urbanística.
Atualmente, perante uma situação de omissão do dever de decisão no âmbito do procedimento de licenciamento, o requerente apenas pode recorrer aos tribunais administrativos com vista à interpelação da Administração para o cumprimento do dever de decisão, apenas podendo executar as obras ou prosseguir para as próximas fases do procedimento de licenciamento se, decorrido o prazo fixado pelo tribunal para a prática do ato devido, a Administração nada fizer, situação que, como vimos, se alterará radicalmente.
O novo artigo 28.º-B do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril que entrou em vigor no passado dia 1 de janeiro veio dar respostas a questões práticas relacionadas com este instituto. Este artigo estabelece um procedimento por via do qual é possível obter certidões da ocorrência de deferimentos tácitos através de uma plataforma eletrónica, a partir do portal único de serviços, já disponível na Internet. Através deste sistema, já é possível obter certidões da ocorrência de deferimentos tácitos previstos atualmente na ordem jurídica. Assim, ainda não é possível obter certidões da ocorrência de deferimentos tácitos das pretensões urbanísticas sujeitas a licenciamento, já que, como vimos, este regime apenas entrará em vigor no dia 4 de março de 2024.
Ao contrário do que sucederá sempre que é emitido um ato expresso de deferimento do licenciamento de operações urbanísticas, o pagamento das taxas legalmente devidas não será condição de eficácia da licença tacitamente constituída.
Para tirar partido do deferimento tácito será suficiente demonstrar a ocorrência do decurso do prazo para emissão da licença sem que a câmara municipal se tenha pronunciado ou notificado o requerente da respetiva decisão.
Numa perspectiva crítica, o deferimento tácito de uma licença acaba por originar um tratamento semelhante dado ao prazo para a conclusão das obras previsto na comunicação (i.e. será aquele que for proposto pelo requerente e começará a contar da data do pagamento das respetivas taxas urbanísticas).
As normas referentes à formação de deferimento tácito em procedimentos urbanísticos apenas se aplicarão aos procedimentos iniciados após a sua entrada em vigor.
Será difícil afirmar, sem hesitações, que o novo regime do deferimento tácito não negligencia interesses públicos relevantes (v.g. a qualidade do ambiente urbano, os interesses ambientais, paisagísticos, culturais, arqueológicos, entre outros) plasmados nos planos municipais e na lei cuja ponderação pela Administração deixa de ser um requisito para a aprovação e execução dos projetos urbanísticos sujeitos a licenciamento. Como propugnou Eduardo Gonçalves Rodrigues, o novo regime do deferimento tácito implicará ainda o risco de uma maior litigiosidade atendendo a que os planos municipais são, muitas vezes, compostos por conceitos indeterminados que deverão ser interpretados pelas câmaras municipais; se a interpretação dos mesmos pelas câmaras municipais não coincidir com a interpretação dos promotores, aquelas poderão invocar a nulidade do deferimento tácito, o que deixará as entidades financiadoras mais hesitantes (cfr. notícia do Jornal de Negócios, acessível através do seguinte link).
Resta-nos aguardar para verificar os efeitos que estas alterações terão na sua aplicação prática.
Francisca Saldanha Monteiro | fom@servulo.com