Propriedade Horizontal – Novo Regime
SÉRVULO PUBLICATIONS 12 Jan 2022
A Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro veio alterar o regime da propriedade horizontal tendo procedido à revisão de 3 (três) diplomas, o Código Civil, o Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro e o Código do Notariado. As alterações entram em vigor 90 dias após a sua publicação com exceção da alteração relativamente à representação do condomínio pelo seu administrador que é imediatamente aplicável aos processos judiciais em que seja discutida a regularidade da representação do condomínio, devendo ser encetados os procedimentos necessários para que esta seja assegurada pelo respetivo administrador.
Pretende-se com o presente Update resumir as principais alterações introduzidas, a saber:
Título Constitutivo
A alteração do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível, por regra, havendo acordo de todos os condóminos. Com a presente alteração passa a ser possível relativamente à alteração das partes comuns proceder à supressão judicial sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas frações se destinam.
Despesas das partes comuns
Quanto às despesas comuns veio clarificar-se que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações (sublinhou-se).
Por outro lado, a maioria exigida para que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum fiquem a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação é alterada de aprovação sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio para aprovação, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio.
Relativamente às partes comuns de uso exclusivo passa a dispor-se que se houver uma área de uso exclusivo de alguma fração e essa área afetar o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio o condómino a favor de quem está afeto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respetivas despesas de reparação na proporção do valor da sua fração, salvo se tal necessidade decorrer de facto que lhe seja imputável.
Reparações indispensáveis e urgentes
O Código Civil passa a definir reparações indispensáveis e urgentes como as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.
Assembleia de Condóminos
A Assembleia de Condóminos reúne-se na primeira quinzena de janeiro para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano. Contudo, a lei passa a prever que excecionalmente, esta Assembleia possa ocorrer no primeiro trimestre de cada ano, se esta possibilidade estiver contemplada no regulamento de condomínio, ou resultar de deliberação, aprovada por maioria, da assembleia de condóminos.
Sem prejuízo da legislação já publicada durante a pandemia provocada pelo Covid-19 que veio permitir temporariamente a realização de Assembleias de Condóminos por meios de comunicação à distância, esta possibilidade deixa agora de ser temporal. Assim, sempre que a administração do condomínio o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos pode ter lugar por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência.
Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos por meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários, sob pena de a assembleia não poder ter lugar através daqueles meios.
Convocatória da Assembleia de Condóminos
As convocatórias para as Assembleias de Condóminos passam a poder ser enviadas por correio eletrónico para os condóminos que manifestem essa vontade em assembleia de condóminos realizada anteriormente, devendo essa manifestação de vontade ficar lavrada em ata com a indicação do respetivo endereço de correio eletrónico. Neste caso o condómino deve enviar, pelo mesmo meio, recibo de receção do respetivo e-mail convocatório.
Passa a prever-se expressamente que se estiverem reunidas as condições para garantir a presença, no próprio dia, de condóminos que representem um quarto do valor total do prédio, a convocatória pode ser feita para trinta minutos depois, no mesmo local.
Tal como sucede com a convocatória também as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos passam a poder ser enviadas aos condóminos ausentes, desde que tal tenha sido consentido, por correio eletrónico mantendo-se o prazo máximo de 30 (trinta) dias para o seu envio.
Atas
Relativamente às atas são introduzidas algumas alterações. Assim, passa a prever-se expressamente que a ata tem que conter um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a ata ter sido lida e aprovada.
Por outro lado, clarifica-se que a eficácia das deliberações depende da aprovação da respetiva ata, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos.
Quanto a assinatura e à subscrição da ata, no seguimento da tendência atual de crescimento do recurso aos meios informáticos, passou a prever-se que podem ser efetuadas por assinatura eletrónica qualificada ou por assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas, bem como que vale como subscrição a declaração do condómino, enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via, declaração esta que deve ser junta, como anexo, ao original da ata.
Por último, dispõe-se que compete à administração do condomínio tomar todas as medidas necessárias com vista a assegurar a aposição das assinaturas num único documento.
Funções do Administrador
As funções do administrador são revistas passando a prever-se que o administrador é responsável também por:
- Verificar a existência do fundo comum de reserva;
- Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia (sublinhou-se);
- Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;
- Informar, por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo;
- Informar, pelo menos semestralmente e por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos acerca dos desenvolvimentos de qualquer processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo, salvo no que toca aos processos sujeitos a segredo de justiça ou a processos cuja informação deva, por outro motivo, ser mantida sob reserva;
- Emitir, no prazo máximo de 10 dias, declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fração;
- Intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação.
Ao administrador passou igualmente a competir que no caso de ser necessário realizar obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação este apresente (três) orçamentos prévios para a sua realização, desde que o regulamento de condomínio não disponha de maneira distinta.
Em caso de incumprimento do administrador das suas funções este é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.
Representação do condomínio
Com a presente alteração clarifica-se que a representação do condomínio é sempre feita através do seu administrador, o qual pode agir em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
Frise-se que é expressamente referido que a apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.
Declaração de inexistência de dívidas ao condomínio
Aquando da venda de uma fração autónoma tem-se por prática solicitar à administração do condomínio uma declaração comprovativa da inexistência de dívidas ao condomínio. Contudo, este documento não era obrigatório para instruir o processo de venda. Com a presente alteração passa a prever-se a obrigatoriedade de requer ao administrador a emissão de declaração escrita da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à sua fração, com especificação da sua natureza, respetivos montantes e prazos de pagamento, bem como, caso se verifique, das dívidas existentes, respetiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento.
Este documento passa a ter que ser obrigatoriamente exibido aquando da compra e venda. A realização sem este documento é apenas possível desde que o adquirente expressamente declare, na escritura ou no documento particular autenticado que titule a alienação da fração, que prescinde da declaração do administrador, aceitando, em consequência, a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio.
Clarifica-se ainda que os montantes que constituam encargos do condomínio, independentemente da sua natureza, que se vençam em data posterior à transmissão da fração, são da responsabilidade do novo proprietário. Contudo, entende-se que nada obste a que as partes acordem de maneira diferente, caso já seja previsível a realização de alguma despesa extraordinária após a venda mas aprovada ainda antes desta em assembleia de condomínio.
Dever de informação
Passa a prever-se expressamente na lei o que já era pratica em alguns regulamentos de condomínio, isto é, o dever de os proprietários informaremo administrador do condomínio do seu número de contribuinte, morada, contactos telefónicos e endereço de correio eletrónico e atualizar tais informações sempre que as mesmas sejam objeto de alteração.
Por outro lado, passa igualmente a prever-se que a alienação das frações deve ser objeto de comunicação ao administrador do condomínio pelo condómino alienante, por correio registado expedido no prazo máximo de 15 dias a contar da mesma, devendo esta informação conter o nome completo e o número de identificação fiscal do novo proprietário.
Caso o condómino alienante não o comunique fica responsável pelo valor das despesas inerentes à identificação do novo proprietário e pelos encargos suportados com a mora no pagamento dos encargos que se vencerem após a alienação.
Fundo de reserva
A lei prevê a obrigatoriedade de existir um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios. Caso este fundo venha a ser utilizado os condóminos devem assegurar o pagamento, no prazo máximo de 12 meses a contar da deliberação, da quotização extraordinária necessária à reposição do montante utilizado.
Dívidas ao condomínio
Em relação às dívidas ao condomínio passa a precisarem-se os termos que devem constar da ata para que a mesma sirva de título executivo. Assim, a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio deve mencionar o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações. Clarifica-se ainda que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
Estabelece-se ainda que o administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as mencionadas quantias, a qual deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.
As alterações agora introduzidas revelam-se positivas, entende-se, contudo, que o legislador perdeu, no entanto, a oportunidade para regular algumas matérias como sejam os tipos de propriedade horizontal admitidos nas propriedades horizontais de conjuntos de edifícios que são hoje em dia bastante recorrentes.
Joana Pinto Monteiro | jpm@servulo.com