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Planeamento e gestão urbanística: Repercussões do Simplex Ambiental

SÉRVULO PUBLICATIONS 07 Mar 2023

Foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º 11/2023, de 11 de fevereiro (o «Simplex Ambiental») que altera o Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro («RJAIA») e que produziu efeitos no passado dia 1 de março de 2023.

As repercussões do Simplex Ambiental na área do direito do ambiente, foram objeto de um update autónomo, elaborado pela equipa de direito público da Sérvulo & Associados. Apesar de se tratar de um diploma que versa essencialmente sobre direito ambiental, o mesmo tem repercussões muito significativas, quer no planeamento (e sua relação com a avaliação de impacte ambiental – «AIA»), quer na gestão urbanística. Trata-se de um regime que contribui incentivar o investimento no mercado imobiliário e turístico. Vejamos.

a) Planeamento urbanístico: os planos de pormenor com eficácia registal

O ano de 2023 configura um ano de viragem para o panorama urbanístico nacional, na medida em que se prevê – após várias prorrogações de prazo – que os planos municipais venham a sofrer uma evolução significativa, patente na respetiva adequação plena ao pacote legislativo de 2014-15 em matéria de ordenamento do território e de urbanismo. Assim, para além dos planos diretores municipais, também os planos de urbanização e os planos de pormenor irão assumir uma configuração nova durante 2023.

O solo nacional é atualmente regulado por vários planos de urbanização e planos de pormenor, apresentando parte destes últimos eficácia registal. Parte dos planos de pormenor surgem como consequência dos planos de urbanização que os antecedem e que pretendem executar. Outros visam executar de forma detalhada o modelo de ordenamento consagrado no plano diretor municipal. Outros ainda visam regular ou aperfeiçoar operações de loteamento existentes, parcialmente executadas.

As atuações urbanísticas subjacentes aos planos de pormenor com eficácia registal sempre suscitaram questões jurídicas relativamente à sua articulação com o direito do ambiente, porque tais atuações ocorrerem a médio / longo prazo, atravessando períodos de tempo em que se entrecruzam regimes ambientais diversos.

É sabido que, desde 2013, as operações de loteamento com uma área de intervenção superior ou igual a 10 ha se encontram sujeitas a avaliação de impacte ambiental. Parte dos planos de pormenor com eficácia registal vigentes abrangendo áreas superiores a 10 ha é anterior à sujeição a avaliação de impacte ambiental das operações de loteamento abrangendo áreas semelhantes. Uma parte significativa destes planos foram, no entanto, sujeitos a avaliação ambiental estratégica («AAE»), por força do regime próprio de tal avaliação.

Neste contexto, subsistiam entendimentos diversos acerca da articulação entre os planos de pormenor com eficácia registal e o regime de avaliação de impacte ambiental. Também não era ainda claro se a alteração obrigatória de vários destes planos durante 2023, por força da evolução da legislação urbanística, implicaria a sujeição de tal alteração a avaliação de impacte ambiental.

A maior parte dos planos de pormenor com eficácia registal são elaborados num contexto em que é realizado um investimento muito relevante na aquisição de solo, na elaboração de estudos técnicos e na infraestruturação do território. No limite, a sujeição dos mesmos planos a avaliação de impacte ambiental poderia implicar o adiamento dos investimentos subjacentes aos mesmos, com repercussões negativas na economia e no mercado imobiliário e turístico.

Repare-se que o propósito da figura de plano de pormenor com eficácia registal sempre foi a simplificação de procedimentos e a canalização rápida de investimento. Todavia, a falta de clareza latente dos contornos do âmbito de aplicação da figura de avaliação de impacte ambiental tem prejudicado a celeridade desejada, bem como o comércio jurídico.

Esta falta de clareza foi agora suprida pelo legislador por via do Simplex Ambiental. Com efeito, para além de simplificar os casos de sujeição a AIA, o Simplex Ambiental veio clarificar a redação de algumas tipologias de projetos sujeitos a AIA, permitindo, designadamente, uma melhor delimitação do seu universo, ficando agora claro que os planos de pormenor com eficácia registal não se encontram sujeitos a avaliação de impacte ambiental:

Assim, a propósito dos projetos tipificados no anexo II do RJAIA, o Simplex Ambiental, apesar de manter as operações de loteamento com área superior a 10 hectares dentro do âmbito do caso geral do anexo II, exclui expressamente do âmbito de aplicação do referido anexo os planos de pormenor com efeitos registais.

O Simplex Ambiental vem ainda esclarecer que os projetos que estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação do caso geral do anexo II do RJAIA (v.g. planos de pormenor com efeitos registais) não poderão ser sujeitos a AIA por decisão da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projeto, a proferir no âmbito de uma análise caso a caso.

Estas alterações confirmam o entendimento de que a AIA tem por objeto apenas e só projetos públicos e privados e não planos ou programas urbanísticos, razão que levou à criação da AAE que visa, justamente, avaliar os impactes ambientais dos planos ou programas urbanísticos (v.g. planos de pormenor com efeitos registais). Na verdade, a AAE corresponde a um nível de avaliação diferente da AIA, operando num momento anterior a esta última, no âmbito da elaboração do plano ou programa em que os projetos eventualmente sujeitos a AIA são previstos.

Assim, na esteira daquele que era o propósito do Simplex Ambiental, evitou-se a dupla sujeição dos planos de pormenor com efeitos registais a procedimentos administrativos com objetivos semelhantes.

b) Planos de pormenor com eficácia registal e procedimentos de AIA pendentes

O novo regime tem efeitos sobre os procedimentos administrativos de AIA em curso, mormente, para o que aqui importa, no que toca aos procedimentos de AIA referentes a planos de pormenor com eficácia registal.

Por um lado, no que concerne aos projetos que deixam de estar sujeitos a AIA obrigatória e à análise caso a caso ao abrigo do Simplex Ambiental, a solução varia consoante tenha sido emitida Declaração de Impacte Ambiental («DIA»), ou não:

a) Caso ainda não exista Declaração de Impacte Ambiental («DIA») emitida, os procedimentos de AIA pendentes caducam oficiosamente, sem qualquer necessidade de declaração;

b) Caso exista DIA emitida para um projeto em fase de anteprojeto ou para um projeto de execução, deixa de ser necessário, no primeiro caso, realizar um procedimento para obtenção de uma declaração de verificação de conformidade ambiental de projeto de execução e, em ambos os casos, os projetos podem ser aprovados pela entidade licenciadora ou competente para o autorizar o projeto sem observância das condições constantes da DIA;

Por outro lado, se o projeto deixar de estar submetido a AIA obrigatória, estando, no entanto, sujeito à análise caso a caso, o proponente pode optar por aproveitar a DIA ou a declaração de verificação de conformidade ambiental de projeto de execução emitida, devendo o projeto, nestes casos, observar as condições constantes das mesmas.

c) Gestão urbanística: simplificação de procedimentos

O Simplex Ambiental também tem repercussões assinaláveis na gestão urbanística de projetos, nomeadamente, no que respeita a requisitos técnicos e a certas servidões administrativas e restrições de utilidade pública.

No que se refere a instalações técnicas, e concretamente ao regime das instalações de gases combustíveis em edifícios, é eliminada a obrigatoriedade geral de dotar com instalações de gás os edifícios a construir ou sujeitos a controlo prévio

No que toca a servidões e restrições, são várias as inovações procedimentais do legislador. Por exemplo, sempre que estejam em causa pretensões que já foram analisadas em procedimentos de AIA, de avaliação de incidências ambientais em fase de projeto de execução, ou de verificação da conformidade ambiental do projeto de execução, é eliminada a necessidade:

a) De apresentação de comunicação prévia referente a usos e ações a desenvolver em áreas abrangidas pela Reserva Ecológica Nacional («REN»), substituída pela pronúncia favorável expressa ou tácita da comissão de coordenação e desenvolvimento regional («CCDR») competente, a emitir no âmbito dos procedimentos referidos acima;

b) De emissão de autorização para o corte de sobreiros e azinheiras, substituída por parecer favorável do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. («ICNF»), a emitir no âmbito dos procedimentos referidos acima[1];

c) De emissão de autorização para o arranque ou corte de oliveiras, substituída por declaração de impacte ambiental favorável ou favorável condicionada ou pela decisão favorável sobre a conformidade ambiental do projeto de execução[2];

d) De emissão do parecer prévio referente a usos e ações não agrícolas a desenvolver em áreas abrangidas pela Reserva Agrícola Nacional («RAN»), substituído pela emissão de parecer favorável expresso ou tácito a emitir no âmbito dos procedimentos referidos acima;

e) De emissão do relatório prévio e relatório intercalar, do resultado da vistoria prévia e da autorização previstos no regime jurídico dos estudos, projetos, relatórios, obras ou intervenções sobre bens culturais classificados, ou em vias de classificação, de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, que devem ser incluídos no parecer da administração do património cultural competente no âmbito dos procedimentos referidos acima.  

Note-se ainda que, no que se refere ao regime jurídico de proteção do sobreiro e da azinheira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de maio, o diploma veio introduzir alterações entre as quais importa assinalar, de forma exemplificativa, as seguintes:

a) as declarações de imprescindível utilidade pública e de relevante e sustentável interesse para a economia local necessárias à admissibilidade das conversões de sobreiro e azinheira a emitir, respetivamente, em relação a qualquer empreendimento e a empreendimentos agrícolas, passam a ter prazo de emissão de 45 dias;

b) são reduzidos os prazos de decisão relativos aos pedidos de autorização de corte ou arranque destas espécies arbóreas para 45 e 60 dias, consoante estiver em causa, respetivamente, razões de índole fitossanitária ou as restantes situações previstas no n.º 4 do artigo 3.º;

c) o decurso de qualquer um dos prazos referidos acima sem que tenha havido notificação da respetiva decisão origina o deferimento tácito da decisão final.

O diploma traz também algumas alterações relevantes em matéria de utilização dos recursos hídricos, passando a admitir-se a apresentação de comunicação prévia, em substituição de licença de utilização de recursos hídricos, nos seguintes casos:

a) quando esteja em causa a realização de construções, inseridas em malha urbana com plano diretor municipal de segunda geração; e

b) quando esteja em causa a recuperação de estruturas já existentes sem alteração das características iniciais, nomeadamente em termos de área de implantação no terreno.

Esta solução vai ao encontro do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, quando prevê, em resumo, que a realização de (i) obras de construção em zona urbana consolidada que respeite os planos municipais ou intermunicipais e a cércea da zona envolvente e (ii) de obras de reconstrução das quais não resulte um aumento da altura da fachada ou do número de pisos estão sujeitas a comunicação prévia.

O Simplex Ambiental entrou em vigor no passado dia 11 de fevereiro, tendo produzido efeitos no dia 1 de março de 2023.

Eduardo Gonçalves Rodrigues |  egr@servulo.com

Filipa Névoa |  fne@servulo.com

Francisca Saldanha Monteiro | fom@servulo.com



[1] O mesmo vale para os casos em que o parecer do ICNF tenha sido emitido no âmbito de um procedimento de AIA ou de avaliação de incidências ambientais em fase de anteprojeto, quando o mesmo possua grau de detalhe suficiente para identificar as árvores em causa.

[2] O mesmo vale para os projetos sujeitos a procedimentos de AIA ou de avaliação de incidências ambientais em fase de anteprojeto, quando os mesmos possuam grau de detalhe suficiente para identificar o arranque ou corte.