Please note, your browser is out of date.
For a good browsing experience we recommend using the latest version of Chrome, Firefox, Safari, Opera or Internet Explorer.

Do Algorithms Dream of Collusion? – As recentes investigações da Comissão Europeia e da CNMC

SÉRVULO PUBLICATIONS 02 Mar 2020

A digitalização da economia é uma realidade cada vez mais imponente no quotidiano das sociedades modernas. No tempo das smart homes, da smart TV, dos smartphones e da targeted advertising, são poucos os aspetos das nossas vidas que se encontram longe da tecnologia e dos algoritmos que as possibilitam. São estes algoritmos que, por exemplo, permitem aos smartphones conhecer e adaptar-se aos padrões de utilização do seu proprietário ou que permitem às plataformas de publicidade online selecionar quais os anúncios relevantes para mostrar a um visitante de uma página web.

Perante este novo paradigma, não é de estranhar o olhar atento que estas tecnologias têm recebido da Comissão Europeia e de outras autoridades nacionais de concorrência. Inclusivamente, a Autoridade da Concorrência (AdC) publicou um Issues Paper sobre Ecossistemas Digitais, Algoritmos e Big Data, sobre o qual a SÉRVULO se pronunciou oportunamente.

O mês de fevereiro ficou marcado por dois desenvolvimentos de relevo nesta matéria. Em primeiro lugar, a decisão da Comissão Europeia contra o grupo de hotelaria Meliá e, em segundo lugar, a abertura de um processo pela autoridade espanhola (CNMC) contra sete empresas no setor da intermediação imobiliária.

A decisão da Comissão Europeia, anunciada a 21 de fevereiro, condenou o grupo de hotelaria Meliá ao pagamento de uma multa de 6.7 milhões de euros. A investigação da Comissão começou a 2 de fevereiro de 2017, tendo por base denúncias de clientes, e incidiu sobre acordos estabelecidos entre o grupo Meliá e quatro operadores turísticos. Para a Comissão Europeia, esses acordos continham cláusulas que discriminavam os consumidores com base na sua nacionalidade ou residência habitual. Em particular, através da técnica de geo-blocking (bloqueio geográfico), foi possível aos operadores turísticos apresentarem preços distintos conforme a localização do endereço IP que pretendia aceder à página web de reserva de estadias. Este tipo de cláusulas e práticas restringe as trocas intracomunitárias e é contrária à implementação do Mercado Único Digital, violando não só o artigo 101.º do Tratado como o Regulamento (UE) n.º 2018/302 sobre geo-blocking.

A Meliá viu a sua coima ser reduzida em 30% do valor total, por colaborar com a Comissão Europeia. Ao mesmo tempo, foram arquivados quatro procedimentos abertos em relação aos quatro operadores turísticos envolvidos (Kuoni, REWE, Thomas Cook e TUI).

Relativamente à decisão da CNMC, de abrir processos contra sete empresas ativas no setor da intermediação imobiliária, anunciada no dia 19 de fevereiro, importa primeiro diferenciar o tipo de empresas que se encontram sob investigação. Estas empresas não são apenas empresas de mediação imobiliária “tradicionais”, mas também empresas que desenvolvem software de intermediação imobiliária. Aliás, estas últimas são até em maior número (cinco) que as primeiras (duas).

Este desfasamento é explicado pelo papel central que a CNMC atribuiu à possibilidade de a colusão entre empresas ter sido facilitada pelo software e pelos algoritmos utilizados por empresas de intermediação imobiliária. Alegadamente, a CNMC investiga se as empresas fixaram, direta ou indiretamente, as comissões e outras condições comerciais associadas à venda ou ao arrendamento de bens imóveis, e trocaram informações comercialmente sensíveis.

No âmbito deste procedimento foram realizadas buscas às empresas visadas entre os dias 18 e 20 de novembro de 2019, tendo os elementos recolhidos durante essas buscas sustentado a decisão de iniciar expedientes sancionatórios contra estas empresas.

A economia digital permitiu, e certamente continuará a permitir, desenvolvimentos notáveis na vida diária. Contudo, importa não esquecer que as regras do mundo físico continuam a ser aplicáveis ao mundo digital. Estes dois casos demonstram que as autoridades de concorrência, seja a nível europeu ou nacional, estão atentas aos mais modernos desenvolvimentos e não é o mero facto de o comportamento proibido ser possibilitado por um algoritmo (quer tenha sido desenhado para esse efeito ou não) ou por qualquer outro artifício apto a causar um prejuízo concorrencial que irá impedir as suas investigações e condenações. As empresas, no mundo digital, devem interagir com os seus consumidores e com outras empresas apenas e somente nas formas em que tal lhes é permitido no mundo físico.

Francisco Marques de Azevedo | fma@servulo.com

Expertise Relacionadas
European and Competition Law