Direito em Tempos Mutantes: COVID-19 e União Europeia, em especial na Concorrência
SÉRVULO PUBLICATIONS 24 Apr 2020
No domínio da concorrência apresentam-se, de forma simples e sistematizada, algumas medidas recentes relevantes para as empresas nesta área:
1.Quadro Temporário para a análise de práticas antitrust na cooperação entre empresas em resposta a situações de emergência decorrentes do atual surto de COVID-19
A Comissão Europeia aprovou a 8 de abril um Quadro Temporário para a análise de potenciais práticas restritivas da concorrência na cooperação entre empresas em resposta a situações de emergência decorrentes do atual surto de COVID-19. Preocupada com a escassez de produtos relevantes, mormente medicamentos, dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual (EPI), a Comissão Europeia anunciou que está disposta a prestar esclarecimentos e a oferecer cartas de conforto ad hoc às empresas que pretendam cooperar com a intenção de facilitar iniciativas de produção que devam ser rapidamente aplicadas para combater eficazmente o surto de COVID-19.
Para avaliar os acordos em causa, a Comissão Europeia vai ter em conta se os acordos (i) são concebidos e objetivamente necessários para aumentar efetivamente a produção da forma mais eficiente possível; (ii) têm carácter temporário; e se (iii) se limitam ao estritamente necessário para alcançar o objetivo de suprir ou evitar a escassez de stocks dos produtos relevantes. As empresas devem documentar todos os intercâmbios de informação e disponibilizá-los à Comissão, se tal for pedido.
2. Roteiro Europeu Comum visando levantar as medidas de contenção
A Comissão Europeia e o Conselho Europeu apresentaram um Roteiro Europeu Comum com vista a levantar as medidas de contenção da COVID-19. O Roteiro contém várias recomendações aos Estados membros para o levantamento gradual das medidas de confinamento.
As recomendações visam (i) um levantamento faseado ao longo de períodos significativos de tempo; (ii) um foco nas medidas específicas, para proteção dos grupos de risco; (iii) uma eliminação a partir das medidas locais, com alargamento progressivo; (iv) a abertura faseada das fronteiras, dando primazia às fronteiras internas; (v) o recomeço da atividade económica para os grupos de baixo risco e nos setores essenciais da economia; (vi) a autorização progressiva dos ajuntamentos de pessoas, tendo em vista as especificidades de cada atividade; e (vii) a manutenção dos esforços de combate à propagação do vírus, nomeadamente através de ações de sensibilização.
3. Comissão Europeia aprova três regimes de auxílios públicos em Portugal
O Estado Português tem procurado, de forma insistente, apoiar a economia e as empresas que enfrentam dificuldades desde o começo do surto de COVID-19. Recentemente, a Comissão Europeia deu luz verde a três regimes de auxílios públicos: (i) uma linha de crédito de 20 milhões de euros para apoiar o setor das pescas e da aquicultura; (ii) um regime de apoio a investimentos em Investigação e Desenvolvimento (“I&D”); e (iii) um regime de apoio à produção de produtos relevantes para fazer face ao surto de coronavírus.
O primeiro regime de auxílios, executado através do Decreto-Lei n.º 15/2020, de 15 de abril, já foi objeto de análise pela Sérvulo.
O regime de apoio a investimentos em I&D, implementado pela Portaria n.º 96/2020, de 18 de abril, é potencialmente aplicável a todos os projetos de I&D em todas as áreas de atividade associadas ao COVID-19 e à construção ou modernização das infraestruturas de ensaio e otimização necessárias para desenvolver, testar e otimizar produtos relevantes para o COVID-19, até à primeira utilização industrial. As atividades de I&D em causa são “atividades de investigação associada ao combate à COVID-19 e a outros medicamentos antivirais relevantes, incluindo a investigação de vacinas, medicamentos e tratamentos, dispositivos médicos e equipamento médico e hospitalar, desinfetantes e vestuário e equipamento de proteção, bem como importantes inovações nos processos e produtos”.
O regime de apoio à inovação produtiva foi também implementado pela Portaria n.º 95/2020, de 18 de abril. Também podem aceder todas as empresas, independentemente da dimensão ou do setor de atividade em que até agora labora, desde que visem a produção de bens e serviços relevantes para o combate à COVID-19: “medicamentos e tratamentos relevantes (incluindo vacinas), seus produtos intermédios, princípios farmacêuticos ativos e matérias-primas; dispositivos médicos e equipamento médico e hospitalar (incluindo ventiladores, vestuário e equipamento de proteção, bem como instrumentos de diagnóstico) e as matérias-primas necessárias; desinfetantes e seus produtos intermédios e substâncias químicas básicas necessárias para a sua produção e ferramentas de recolha e processamento de dados”.
4. Aprovação de propostas da Comissão sobre medidas de combate ao COVID-19
O Parlamento Europeu aprovou as propostas da Comissão Europeia para combater a crise do COVID-19. Entre as medidas aprovadas estão (i) a Iniciativa de Investimento de Resposta à Crise do Coronavírus + (CRII+) (sobre esta, leia-se o update da Sérvulo); (ii) o Instrumento de Apoio de Emergência para o setor dos cuidados de saúde; e (iii) a Iniciativa rescEU. A CRII+ carece ainda de ser aprovada pelo Conselho.
O Instrumento de Apoio de Emergência “contribuirá para financiar as necessidades urgentes de fornecimento de equipamento médico, como máscaras e ventiladores, o transporte de equipamento médico e de doentes em regiões de fronteira, o destacamento de trabalhadores do setor da saúde para os focos de contágio e a construção de hospitais de campanha móveis”. A Comissão Europeia planeia adquirir equipamento em nome dos Estados membros, canalizando os recursos adquiridos para as zonas mais afetadas.
A rescEU vai permitir criar uma reserva médica europeia, sendo o equipamento médico posteriormente armazenado num ou vários Estados membros. A Comissão Europeia financiará a totalidade da reserva e coordenará a distribuição do equipamento de modo que este chegue onde for mais necessário.
5. Comunicado do Steering Group da Rede Internacional de Concorrência: Concorrência durante e após a Pandemia COVID-19
À semelhança do que a Rede Europeia de Concorrência fez, e que foi oportunamente analisado pela Sérvulo, e também na linha desenvolvida pela Comissão Europeia no Quadro Temporário acima explanado, o Steering Group da ICN (International Competition Network) adotou um Comunicado sobre o panorama concorrencial desta época e daquela que se seguirá.
No Comunicado explica que, apesar dos tempos excecionais que atravessamos, as regras do Direito da Concorrência continuam a ser plenamente aplicáveis. Contudo, os benefícios decorrentes da existência de cooperação entre empresas na produção de produtos relevantes para o COVID-19 não podem ser ignorados, numa aplicação cega da lei, devendo analisar-se se a cooperação é necessária para a produção e fornecimento desses produtos e se é conduzida da forma mais conforme possível ao quadro legislativo.
6. Regulamentação do exercício de comércio por grosso e a retalho de distribuição alimentar
Entre nós, o Despacho n.º 4148/2020 de 5 de abril veio regulamentar a venda por estabelecimentos de comércio por grosso de distribuição alimentar de produtos diretamente ao público (ou seja, a retalho). Recorde-se que as empresas estão vinculadas ao cumprimento das regras de segurança e higiene e das regras de atendimento prioritário previstas no Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril.
7. Lista de medidas de Estados membros aprovadas pela Comissão Europeia ao abrigo do regime dos auxílios públicos
A Comissão Europeia mantém uma lista em permanente atualização de todas as decisões relativas a auxílios públicos, organizada cronologicamente e por base legal da decisão, disponível aqui.
Francisco Marques de Azevedo | fma@servulo.com
Michael-Sean Boniface | msb@servulo.com